sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Brega e Chique

Em 1987, quando a Varig iniciou a operação do 737 serie 300, a Rede Globo exibia no horário das 19 hs a novela Brega e Chique. Neste folhetim, o ator Jorge Doria interpretava um personagem que era casado com duas mulheres, uma brega e a outra chique. Gloria Menezes interpretava a esposa que habitava o núcleo pobre e brega da trama, enquanto Marilia Pera era a esposa nobre, rica e chique. Fez muito sucesso a novela, com o padrão Global!

Foi uma questão de capítulos para que os tripulantes apelidassem a frota de 737 que voava no Brasil.

O 737-2oo que voava na Varig desde 1974, já era uma evolução da série 100, e por isso era chamado pela própria Boeing de Super Advanced. O 200 não possuía sistemas autônomos de navegação (GPS, inercial ou sistema Doppler), e por isso os pilotos tinham que estar atentos aos métodos básicos de navegação em rota. Carregávamos e frequentemente usávamos réguas de calculo especificas para aviação, bem como transferidor que eram úteis ao efetuar desvios em rotas desprovidas de cobertura radar. O Brega também não possuía qualquer instrumento ou indicador digital na cabine de comando, era tudo analógico, com ponteiros e sem computadores de bordo. O piloto automático era pouco eficiente nas fases de decolagem/subida e aproximação /pouso, por isso, muitas vezes voávamos “na mão”, ou seja, com o piloto automático desligado. Este grande avião foi uma grande “escola” para nós pilotos.

O 300 foi uma grande evolução do 200! Era dotado de sistemas modernos de navegação, mais informações nos painéis da cabine, motores mais silenciosos e econômicos.
Carregava 134 passageiros, ou um pouco menos quando possuíam a classe executiva. Aos poucos o Chique foi assumindo as rotas mais nobres da Varig. Destinos que antes eram servidos pelo obsoletos 727, passaram a ser voados de 737-300. Lugares como Santiago do Chile, Buenos Aires, Lima e outra localidades começaram a ser visitados pelo chique 300.
Enquanto isso o Breguinha voava cada vez mais para Cruzeiro do Sul, Rio Branco, Tefé, Tabatinga e outros destinos considerados menos nobres. Que me perdoen os moradores dessas localidades... Havia inclusive uma suposta diferença entre os grupos de pilotos. Parece que os que voavam o 200, incorporavam uma personalidade brega, enquanto os colegas do 300 se achavam o máximo! Alguns diziam em tom de brincadeira, mas no fundo realmente se achavam os TIGERS da aviação.

Voei o Brega por 8 anos seguidos. Inicialmente como co-piloto, para em 91 ser promovido a Comandante. Tive a oportunidade de ser Comandante-Instrutor, e mais tarde Comandante-Checador, sendo responsável por vôos de avaliação e cheque dentro do grupo. Tanto no avião como em simulador, aprendi muita coisa neste período.

Em 97 passei a voar o chique. Os vôos eram mais longos (menos pinga-pinga) e pude conhecer outros destinos na America Latina. Além disso, ao voar o 300, poderia concorrer a uma vaga na Ponte Aérea. Em 99, iniciei um período de quatro anos e meio voando na Ponte Aérea. Sem duvida, uma das melhores épocas da minha carreira! O trabalho era um prazer, dormir todas as noites em casa era excelente não só para mim, como para a minha família. Minha mulher, sendo comissária de bordo, viajava com tranqüilidade, e meus filhos, que na época tinham 1 e 4 anos de idade estavam sempre com o pai por perto.

A minha idéia era ficar no Chique, voando na Ponte até o ano de 2010, quando então ao completar 45 anos de idade, e 21 anos de 737, iria para os vôos internacionais.

Mas a crise na Varig entrou em mais um capítulo “sinistro”. Havia rumores de parada de alguns 737 por falta de peças, além disso a Varig possuía um acordo operacional com a TAM. Eu temi que com isso a TAM assumisse todos os vôos da Ponte e eu tivesse que voltar ao vôos com muitas escalas e afastado de casa. Por outro lado a Varig estava aumentando a frota de aviões para as rotas internacionais, recebendo os MD-11 da falida Swissair.

Assim decidi que era hora de ir para a internacional, antes que esta chance deixasse de existir. No dia seguinte eu estava iniciando o curso para voar MD-11!
Sábia decisão! O 737, e em especial, a Ponte Aérea foi uma época maravilhosa, mas o que estava por vir seria ainda melhor.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Encomenda para a torre

Infelizmente há muito desperdício de comida e bebida na aviação comercial, pois após a chegada de um voo, tudo que sobra das refeições, lanches, sanduíches e outras comidas, é jogado fora para posterior incineração! Dá dó ver tanta coisa indo para o lixo.

Bons tempos, quando antigamente conseguíamos minimizar um pouco este desperdício, com um tipo de “procedimento” que era bastante comum, principalmente nos aeroportos do norte e centro oeste, aonde o movimento era menor.

Algumas vezes ao nos dirigirmos ao pátio de estacionamento após o pouso, o operador da torre de controle nos perguntava se havia alguma encomenda. Esta era a “senha” para ver se tinha sobrado uns lanches do serviço de bordo para oferecer a eles! Ainda durante o taxi, entravamos em contato com a chefe-de-equipe dos comissários para confirmar se havia lanches sobrando e dependendo da resposta, dávamos um positivo ao pessoal da torre, pedindo para que eles confirmassem o P.O.B.! P.O.B. é o “people on board”, informação que geralmente os aviões passam à torre antes de iniciar um vôo. Lá da torre, vinha um “portador”, que quando não vinha munido de uma sacola, fazíamos uma “trouxa” com um saco plástico. Juntávamos lanchinhos e refrigerante em bom estado, que estavam destinados ao desperdício. Todos ficavam felizes.

Na Ponte Aérea Rio-São Paulo este procedimento também era muito comum, especialmente quando pousávamos nos últimos vôos do dia por volta de 22:30 hs. Pilotos e controladores, já conhecedores do procedimento, simplificavam a comunicação:
- Varig 464, confirme a possibilidade? Perguntava a torre.
- Afirmativo! Confirme o P.O.B? Indagávamos.
- Estamos em meia dúzia, Comandante.
- Sem problemas, pode mandar alguém.

Mas o mais interessante era o que acontecia no aeroporto do Santos Dumont- RJ. A torre de controle fica em cima do prédio do antigo aeroporto, bem perto dos aviões que ficavam estacionados no pátio. No andar térreo, bem em baixo da torre, fica a “sala de tráfego” que recebe os formulários de planos de vôos das aeronaves. Para facilitar a “transmissão de dados” entre esta sala e a torre, havia uma cordinha com um grampo preso à extremidade, sendo que volta e meia esta cordinha subia de descia com algum tipo de “correspondência” presa a ela. Pois quando tínhamos alguma encomenda para a torre, nem havia necessidade de alguém descer para apanhar! Bastava usar o serviço do “elevador”! Colocávamos tudo dentro de um saco, que bem amarrado à corda, subia tranquilamente em direção à torre de controle.

Uma cena bastante pitoresca, que ocorria a qualquer hora do dia. Passava despercebida dos olhos da maioria, mas que nos fazia dar risada ao ver a encomenda subindo.

De tempos em tempos o “elevador” era desativado, pois segundo a informação que recebíamos, algum Oficial Superior da torre de controle havia proibido terminantemente este procedimento! Mas nada como uma semana após a outra... e logo o serviço estava restabelecido.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Passagem baixa sobre a pista

Estavamos chegando de Buenos Aires para pouso em Guarulhos por volta de meia noite, quando acompanhamos a comunicação entre o controle de tráfego aéreo e uma aeronave com problemas técnicos. A aeronave em questão estava sem indicações que confirmassem que o trem de pouso estava abaixado e travado.

O sistema de indicação é composto de luzes que ficam verdes quando as rodas estão abaixadas e travadas (neste caso, 2 luzes para os trens de pouso situados sob as asas e uma luz para o trem de pouso do nariz do avião) ou vermelhas que indicam que o trem de pouso não desceu, ou que desceu, mas não está corretamente travado em baixo. Os aviões geralmente possuem dois sistemas de indicação, independentes um do outro. Quando há apenas um sistema, existe uma maneira alternativa de verificar a situação dos trens de pouso através de visores no piso do avião, onde por meio de um jogo de espelhos pode-se efetuar uma confirmação visual.

Os pilotos daquele vôo, por não terem a indicação de que as rodas estavam em posição correta para o pouso, estavam efetuando espera sobre a região de Atibaia. Estudavam a situação, efetuando os “check-lists” apropriados para de alguma maneira eliminar aquela pane. Eles estavam quase certos de que o trem de pouso estava abaixado e travado, mas não obtendo a indicação pelo painel, solicitaram ao controle de aproximação para efetuar uma passagem baixa sobre a pista de pouso para que a torre do aeroporto efetuasse uma verificação visual.

Nós seguimos em nossa aproximação e pouso, porém após liberar a pista em uso, tivemos que aguardar um tempão para prosseguir o taxi para o local de estacionamento. Isso porque a passagem baixa da aeronave seria pela pista mais próxima à torre de controle (Guarulhos possui 2 pistas paralelas) que normalmente é usada para decolagens. Com as decolagens suspensas temporariamente, logo se formou um congestionamento no pátio, travando completamente a movimentação dos aviões que chegassem ou que pretendiam decolar.

Ficamos parados com uma visão perfeita da aproximação final, na expectativa de ver o rasante que iria acontecer em breve, pois a passagem baixa nada mais é que um rasante sobre a pista.
De repente, lá vinha o Boeing na final! Ele vinha com os faróis de pouso ligados, e isto dificultava a visualização do trem de pouso. Peguei o microfone e na freqüência da torre de controle falei: - Desligue os faróis de pouso e ligue as “Wheel Well Lights”! Estas são as luzes que iluminam o interior do alojamento dos trens de pouso. Imediatamente eles corresponderam à solicitação, voando baixo sobre a pista de Guarulhos. Uma bela passagem em que claramente observamos as rodas em baixo, aparentemente sem problema algum. Outros aviões nas proximidades, bem como a torre e uma equipe dos Bombeiros estrategicamente posicionada, tiveram a mesma percepção, que foi informada ao Comandante do vôo.

O avião circulou novamente para se preparar para o pouso. Havendo uma razoável certeza de que estava tudo OK, que era apenas uma falha no sistema de indicação, não houve necessidade de declarar uma situação de emergência por parte do Boeing. Tão pouco a tripulação deve ter preparado os passageiros para uma condição anormal no pouso. Mas pelo sim ou pelo não, os passageiros mais atentos devem ter dado uma olhada com atenção no cartão com instruções de emergência, aqueles cartões que na maioria das vezes, ninguém dá a devida importância. Toda a tripulação também deve ter revisado os procedimentos de emergência e evacuação para o caso de algo sair errado.

Eu já tinha desembarcado quando observei o avião pousando normalmente. No final das contas, o problema era somente a falta de indicação, o trem de pouso estava corretamente abaixado e travado. Não passou de um pouco de emoção em mais um dia na rotina agitada de um grande aeroporto.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

FASTEN SEAT BELTS!

Nesta semana o mundo está de olho em Copenhague por ocasião do Fórum Global sobre o clima. O clima está mudando, não há dúvidas!

As formações meteorológicas estão maiores, desenvolvendo-se com maior rapidez, gerando mais turbulência e formação de gelo. As frentes frias estão chegando com mais intensidade que há duas décadas atrás.

No mês passado, em aproximação para Curitiba, vindo de Foz do Iguaçu, passei por um mau tempo que há anos eu não via. Durante a descida efetuamos um longo desvio pela direita, visualizando um ponto adiante onde havia condições de voltar à rota. Para este retorno, um período de turbulência leve a moderada era esperado, e por isso a tripulação e passageiros foram avisados e instruídos a permanecerem sentados com os cintos afivelados.

Mas na medida em que nos aproximávamos do ponto em que o co-piloto e eu julgamos ser adequado para voar, as indicações no radar meteorológico se alteravam, mostrando que o caminho estava bem pior que o esperado! Estávamos de certo modo cercados pelas formações, efetuar 180 graus e retornar já não era mais viável e o jeito era seguir em frente. Apesar das nuvens não serem muito grandes e altas, possuíam muita atividade. Aumentamos a razão de descida, pois quanto mais baixo voássemos por elas, menor seria a quantidade de gelo e granizo no interior delas. Foram 5 minutos de muita “pauleira”, com chuva, gelo, turbulência e muitos clarões de relâmpagos. Para não sermos ofuscados, mantínhamos as luzes da cabine acesas na maior intensidade. Passado este tempo estávamos novamente voando em atmosfera calma e sem nuvens.
Fiquei muito impressionado (e os passageiros assustados!) com a atividade associada àquelas nuvens, que como disse, não eram tão grandes. Também não estavam ligadas a um sistema de frente fria ou a uma linha de instabilidade. Eram resultado de um centro de baixa pressão que estava estacionado na área do Paraná e Santa Catarina.

Para a aviação enfrentar estas mudanças climáticas, tem havido uma melhora nos equipamentos e no treinamento dos pilotos.

Nos antigos Electras, haviam 2 modelos diferentes de radares meteorológicos. Um era apelidado Steve Wonder e outro Ray Charles! Forneciam uma imagem pouco clara que exigia muito cuidado para analisar e interpretá-la. Algo como uma ultra-sonografia de um bebê na barriga, feita por um aparelho dos anos 70! No B 737-200, o radar era mais moderno, mas ainda não era colorido, portanto, com menos detalhes da quantidade e intensidade de chuva em uma nuvem. Hoje em dia os radares estão bem mais avançados, com imagens coloridas, e novos recursos que possibilitam uma maior clareza de visualização e interpretação.

Finalmente o conhecimento do equipamento por parte dos pilotos é fundamental.
Mas, se com tudo isso, o mau tempo e a turbulência for inevitável, então .....FASTEN SEAT BELTS!

sábado, 5 de dezembro de 2009

Ajuda ao Comandante

Hoje em dia na aviação comercial quando algo foge da rotina, os pilotos sempre possuem um apoio, através de equipes em terra que fornecem informações importantes para o auxílio na tomada de decisões. Seja efetuando uma espera em vôo devido condições meteorológicas do aeroporto de destino, ou ao solucionar uma pane de flapes, ou ainda pousados em Tabatinga, conseguimos contato rádio com a empresa, aonde um grupo de apoio poderá nos auxiliar com dados relevantes.

Este grupo de apoio fica fisicamente localizado em uma sala na sede da empresa, e 24 hs por dia há profissionais de diversas áreas. Há um comandante, um representante da manutenção/engenharia, um DOV (despachante operacional de vôo) que confecciona as navegações e disponibiliza boletins e análises meteorológicas. Há também o pessoal que cuida da malha de vôos da empresa com informações de vôos de conexão, e finalmente o pessoal da escala de tripulantes, que sabe exatamente a disponibilidade de tripulações em cada localidade do país.

Desta forma conseguimos juntar uma série de informações que nos ajudará a tomar uma decisão que não apenas seja a mais segura, mas que também vá de encontro às necessidades da empresa. Eventualmente para o piloto, em determinada situação poderá ser mais interessante pousar no aeroporto “A”, porém ao pousar lá não teremos o material necessário para prosseguir o vôo, ou a conexão aos passageiros, ou ainda disponibilidade de hotel para pernoite. Então este grupo de apoio sabedor da disponibilidade de peças, conexões e etc. vai sugerir que pousemos no aeroporto “B”. Muito melhor para todos, e o Comandante tem um melhor embasamento para sua decisão.
É claro que a decisão final sempre será do Comandante, a empresa só passa informações e sugere uma linha de ação. Mas é bom que a sua decisão seja a sugerida pelo grupo de apoio, caso contrário ele provavelmente será solicitado a explicar por que não aceitou a proposta da empresa!

Este sistema é bom, agrega segurança aos vôos, agilidade e economia, além de dar ao Comandante, respaldo em suas decisões. Tudo isso é muito diferente do passado.

No passado, antes da internet e do celular, a comunicação era mais lenta e difícil. O Comandante não dispunha de tanta facilidade para obter informações que pudessem ajudar em suas decisões. Em vôo, era ele, o co-piloto e o controle de tráfego aéreo. Em solo, ao surgir uma situação, podia contar com o gerente da base, o mecânico, e informações da torre de controle. Conversando com eles, e com o co-piloto, tomava-se as decisões.

Havia um setor de engenharia de manutenção, que algumas vezes nos dava apoio com informações técnicas. Para isso, ao contrário de hoje em dia quando de dentro da cabine do avião ligamos via celular, tínhamos que ir até a sala da manutenção para usar o telefone e ligar para a empresa.
Também havia, 24 h por dia, um Comandante que era o “Plantão de Operações” e estava disponível para ajudar. Só que nem sempre este Comandante voava o mesmo avião que você, não dispondo então do conhecimento técnico específico. Eu nunca precisei ligar para o plantão de operações, mas os colegas que ligaram, quase sempre ouviam a mesma coisa: -Comandante, o Senhor está aí com as informações necessárias, então o que você decidir, está bem decidido, e o setor de Operações vai apoiar sua decisão!

É como eu disse, atualmente o processo de decisão está mais fácil, com mais informações e até uma certa divisão de responsabilidade, mas que dá uma certa saudade de antigamente quando era eu e o co-piloto para analisar de decidir o rumo de ação, com certeza dá!

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

John Lennon, Bob Marley ou Michael Jackson?

No passado, o serviço de bordo oferecido pelas empresas aéreas variava de razoável a excelente. Talheres de prata na primeira classe ou inox para os demais, louças exclusivas de qualidade e copos de vidro eram a regra, mesmo em vôos domésticos e etapas curtas. Para os tripulantes do vôo, as refeições que embarcavam costumavam ser ainda melhores não só em termos de quantidade, mas variedade também. Na época em que voei os Electras, havia vôos em que o serviço de bordo era fornecido pela Vasp, e nestas ocasiões podíamos escolher a refeição a ser embarcada: Filé a parmegiana, strogonoff, lasanha e etc. É bem verdade que comer com a bandeja no colo, muitas vezes em pouco mais de 5 minutos não é a melhor maneira de se fazer uma refeição, mas é o que ocorre na maioria das vezes. Quando passei a voar o Airbus, o serviço de bordo melhorou muito, pois havia a classe executiva e primeira classe, portanto com uma maior variedade no cardápio. Mas o bom mesmo foi no período em que voei o MD-11! Especialmente nos vôos para Europa e EUA, que eram etapas muito longas, fazíamos da refeição um verdadeiro acontecimento. Ao embarcar no avião já havia um “tira-fome” para os tripulantes que geralmente era uma sopa e sanduíches. Depois em vôo, aguardávamos que o serviço aos passageiros fosse encerrado, pois sempre sobravam opções da primeira classe: saladas de bacalhau, filés, salmão e tudo como deve ser: Guardanapo de pano, comendo sem pressa para saborear a refeição. Ainda havia sobremesas deliciosas, queijos e cafezinho. Não fosse pela restrição a um vinho, seria perfeito. Além disso, no MD-11 podíamos fazer a refeição com a bandeja apoiada em uma mesa lateral na própria cabine de comando ou ainda na cabine da primeira classe. Mas isso é passado, agora voando nas rotas nacionais, e hoje mais do que nunca, as refeições são apenas para se alimentar. Salvo raras exceções como Porto Alegre e Buenos Aires, as comidas deixam a desejar. Bom, mas se o tripulante está mal servido de refeição, imagina os passageiros! Praticamente todas as empresas aéreas, pelo menos nos vôos nacionais, aderiram a um serviço para lá de espartano, isso quando elas não cobram pelo sanduíche, bebida e bolachinhas. Um amigo meu voltou de São José do Rio Preto, e disse que no vôo foi oferecido um serviço de bordo “aziático”. “Aziático”? Sim, só de olhar já dava azia! Já na outra empresa, os tripulantes logo arrumaram um apelido para as bolachinhas que são servidas. São bolachas salgadas em formato redondo, e como vem embaladas em pares elas ganharam o apelido de John Lennon, em alusão aos óculos do ex-Beatle. Algum tempo depois surgiu a versão da mesma bolacha no sabor “ervas finas” (pelo menos é o que diz o fabricante). Não demorou para serem apelidadas de Bob Marley... E recentemente surgiu o mesmo produto com sabor presunto. O apelido? Michael Jackson!

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Caleidoscópio de gente


Uma das coisas bacanas ao se trabalhar na aviação comercial é que a cada nova viagem, temos a chance de conhecer novas pessoas. Entre os tripulantes de um voo há quase sempre alguém que já conhecemos a também alguém com quem nunca voamos. Quanto maior for a programação do vôo, seja ela de dois, três e até 5 dias voando com a mesma tripulação, maior será o entrosamento entre os tripulantes. Se a tripulação é bacana, a programação fica ainda mais legal, com o pessoal se reunindo nos pernoites, saindo para jantar e passear. Claro que uma tripulação com homens e mulheres é melhor que uma tripulação só de homens, mas é bom que se diga, que mais vale uma rapazeada legal do que umas mulheres enjoadas! E por falar em mulheres, quando a programação é longa, a saudade de casa aperta, e pode acontecer a síndrome da "Creuza; Neuza; Deusa"; onde no primeiro dia, mal se nota a presença de uma das comissárias. No segundo dia, já se percebe que ela faz parte da tripulação. No terceiro dia já se presta atenção no mome dela: chama-se Creuza! Mais um dia e ela já foi promovida a Neuza, e a partir do quinto dia ela passa a ser chamada de Deusa! O grupo de pilotos de um modo geral é mais homogêneo, pois a maioria tem uma história parecida de paixão pela aviação desde muito cedo, porém no grupo dos comissários(as) as origens e histórias são mais diversas. Isso me lembra de um colega comissário que conheci numa programação de 5 dias voando por Cuiabá, Manaus e Belém. Em vôo, ele parecia um rapaz absolutamente normal, igual aos demais colegas, porém quando chegava no hotel ele passava por uma metamorfose. Usando pulseiras e colares de couro, num estilo Hippie dos anos 90 e com adereços indígenas, ele até mudava o jeito de falar. Muitos comissários "cairam de para-quedas na profissão", nunca haviam pensado na possibilidade, quando então por algum motivo se inscreveram na seleção de admissão de uma empresa, foram contratados, receberam o curso e começaram a voar. Uns trabalham por alguns anos somente, outros estão voando até hoje...Antigamente as empresas aéreas exigiam apenas o 2º grau completo para admissão de comissários, mas já a algum tempo elas exigem que o candidato já tenha feito um curso de comissário de bordo em uma das dezenas de escolas de aviação civil, e sido aprovado em provas da ANAC. Assim, antes mesmo de entrar na profissão, o candidato já tem que desembolsar uma grana. Mas voltando ao assunto, este colega ao ser indagado sobre a quantidade de adereços indígenas, contou que durante as férias , em vez de pegar uma passagem para fazer turismo no Nordeste, EUA, ou Europa, teve um momento de inspiração e resolveu passar um mês isolado em uma tribo indígena no Acre! Levou pouca roupa e o violão. Após desembarcar no aeroporto de Rio Branco, pegou um ônibus, mais uma boa caminhada e um barco para finalmente chegar ao destino final. Na tribo havia somente 3 pessoas que falavam português, mesmo assim com certa dificuldade. Viveu como eles, comeu como eles, pouco se vestiu, dormiu no chão ou em redes. Das coisas que ele contou de sua experiência com os índios, uma me chamou a atenção: Apesar da tribo viver isolada, sem televisão, ou rádio, todos conheciam e gostavam de futebol. Então 2 times foram organizados para os jovens e crianças da tribo disputarem não só o jogo, mas também qual dos times iria contar com a presença ilustre do nosso amigo comissário. Lá pelas tantas o time em que ele jogava tomou um gol! Ato contínuo, todos correram e gritaram comemorando o gol, inclusive o time dele e o prório goleiro que sofreu o gol! Ele nada entendeu na hora, afinal o razoável seria comemorar gol efetuado, e não gol sofrido. E a situação se repetia a cada gol, quando todos comemoravam e pulavam felizes. Depois ele compreendeu que na lógica da tribo, o futebol é para se divertir e fazer gol, assim, independente de quem fizesse o ponto, todos comemoravam. Bacana, né?

terça-feira, 24 de novembro de 2009

A vingança do Zumbi

Esta estória se passou com um colega na década de 90. Este colega, que como eu era comandante de Boeing 737-200, estava pernoitando com a tripulação em Aracaju, no Hotel Parque dos Coqueiros. Um hotel que fica bem próximo ao aeroporto e um pouco a direita do alinhamento da pista, com um belo jardim, de frente para a praia, com instalações em estilo rústico e chalés voltados para a piscina. A tripulação tinha que dormir cedo, pois na manhã seguinte a decolagem seria às seis da manhã. Para isso sairiam do hotel as 5:15 hs, sendo o despertar marcado para às 4:30 hs da manhã. Durante a tarde, observando o movimento ao redor da piscina, este colega percebeu que não iria ser fácil descansar durante a noite, pois havia um intenso movimento de pessoas preparando o hotel para uma grande festa. Ele tentou mudar de apartamento, para um que ficasse o mais afastado possível da piscina, suposto local da festa, mas como o hotel estava lotado, seu pedido foi negado. Dez da noite, onze horas, meia noite e com o som alto e muita algazarra era impossível para ele relaxar e dormir. Tentou novamente junto à recepção uma mudança, tendo inclusive procurado o gerente do hotel para explicar o problema, e pedindo encarecidamente por uma solução para que ele e os demais tripulantes pudessem ter um mínimo de descanso. Lá pelas tantas o gerente disse que ele não poderia fazer nada, e que ele e a tripulação que se virassem! E ele se virou mesmo. Ficou na cama virando de um lado para o outro tentando em vão descansar, já planejando uma vingança! Quando a festa parecia estar terminando e o silêncio voltando, o despertador tocou. Com banho tomado e uniformizados a tripulação seguiu para o aeroporto. O hotel ficava muito perto da pista, bastando uma curva à direita logo após a decolagem para sobrevoá-lo. Mas sobrevoar o hotel não seria suficiente, tinha que ser um verdadeiro rasante, de preferência em cima do apartamento do gerente. Dito e feito! Combinou com o co-piloto (que também não tinha conseguido descansar e queria ver o circo pegar fogo) e na decolagem, logo após sair do chão, quase que em vôo nivelado, curvou à direita passando sobre o hotel. O 737-200, diferentemente dos 737 das séries 300 em diante, é um avião da década de 70, e possui motores de outra geração. Não apenas menos potentes e econômicos, mas sobretudo, muuuuito mais barulhentos! Este Comandante, com a confirmação de outros tripulantes que estavam no hotel pernoitando, afirmam que o rasante foi um ESPETÁCULO! Todo o hotel tremeu! Telhas se deslocaram do telhado e todos que lá estavam, sem exceção, acordaram sobressaltados. O vôo seguiu para o Galeão/RJ e lá chegando já havia um comunicado para que o Comandante se reportasse imediatamente ao Diretor de Operações! O colega foi punido com uma suspensão do trabalho por 29 dias; e aceitou serenamente o “gancho”, afinal não havia nada que ele pudesse dizer em sua defesa. Foi para casa descansar, por 29 dias, sempre sorrindo ao se lembrar de sua contundente vingança.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

O lado ruim da coisa, ou a pior parte da profissão

A cada seis meses eu fico na dúvida se escolhi a profissão certa. É quando chega o dia de revalidar o certificado de capacidade física, ou seja, o exame médico, expedido pelo Hospital da Aeronáutica. Até os 40 anos de idade este certificado vale por um ano para o caso de pilotos comerciais, e a partir dos 40, a validade é de somente seis meses, quando então dependemos de estar com a saúde em dia para continuar voando. Lá no Hospital da Aeronáutica, localizado no Campo de Marte, pilotos e comissários de bordo disputam com os militares um banco para sentar enquanto aguardam a chamada para os exames. Concordo que realizar exames médicos regulares é fundamental na minha profissão, mas não da maneira que ele é realizado e a cada seis meses! Chega-se no hospital por volta de 7 horas da manhã, para com sorte sair de lá as 13:30 hs de posse do exame médico revalidado a um custo de R$ 188,50, que a maioria das empresas aéreas e patrões não reembolsam. As consultas podem não durar mais de 1 minuto, porém pode se aguardar até 45 minutos para ser atendido! Chapa do pulmão, exame de sangue e urina, audiometria, oftalmologista, dentista, pressão e outros exames básicos. Após 35 anos de idade é exigido dos pilotos um exame ergométrico a cada dois anos, para comissários exame de fezes e exame Papanicolau para as mulheres. Dizem que no Rio de Janeiro este exame é mais rápido, tranqüilo e até menos rigoroso. Tenho freqüentado os corredores deste Hospital desde 1982, e percebo que a maioria absoluta dos examinados não acredita que estão realizando um exame de qualidade por um preço justo. Mas no final, quando recebo meu certificado revalidado por mais um tempo, fico aliviado, pois ruim a saúde não deve estar, e posso continuar trabalhando. Além disso, apesar da manhã perdida, encontrei amigos, colegas que eu não via há tempos, conheci novas pessoas, bati papo e dei risada durante as esperas. Em seis meses estarei de volta.

domingo, 15 de novembro de 2009

O pouso mais fantástico que eu já vi

  • A estória é um pouco comprida, mas vale a pena ser contada: Entre os Comandantes com quem voei no Airbus, o mais fascinante foi o Cmt Dahne. De origem Sueca, ele era um cara alto, forte, olhos claros e que estava sempre cheio de energia. Com 57 anos de idade, não perdia a oportunidade de jogar volley de praia quando estava pernoitando em Fortaleza, Manaus ou mesmo no Rio de Janeiro onde morava. Uma pessoa simpática que gostava de conversar e demonstrava um genuino interesse pelas pessoas. O Cmt Dahne era um "Vaca Sagrada" na Cruzeiro, ou seja, um dos mais antigos na empresa e portanto muito respeitado por todos. E não só por isso, ele tinha uma bela história na aviação e uma experiência invejável. Hoje em dia, por mais horas de voo que um piloto venha a trabalhar, não vai conseguir acumular durante uma carreira a quantidade de horas de voo que os pilotos da geração do Cmt Dahne acumularam. Hoje há limites quanto ao máximo de horas que se pode trabalhar por mês, trimestre ou ano. Ele pilotou os Catalinas, aviões anfíbios que voavam principalmente na região Amazônica. Pilotou também o YS-11 Samurai, e também o Caravelle, avião Francês que a Cruzeiro operou no Brasil. Ele foi da primeira turma de Comandantes da Cruzeiro a voar o Airbus A-300, que foi adquirido em junho de 1980, tendo inclusive feito todo o curso em Tolousse, França, para poder trazer o avião para cá. Além disso, estava na cabine de comando quando por duas ocasiões, seu voo foi sequestrado! O primeiro episódio, eu não tenho certeza se foi voando YS-11 ou o Caravelle, já que entre os anos de 1969 e 1971, ocorreram vários episódios de sequestro por parte dos militantes que lutavam contra o regime militar no Brasil. O segundo episódio foi em fevereiro de 1984, quando após a decolar o Airbus de São Luiz para Belém, o avião foi rendido por sequestradores, obrigando o voo a seguir para Cuba. Após conseguir convencer os sequestradores que a autonomia de vôo não era suficiente, pousaram em Paramaribo, trocando passageiros por combustível e seguiram para Cuba. Ele era um piloto muito habilidoso, não usava os cintos de segurança que passam sobre os ombros, e nem o que passa entre as pernas, somente usava o cinto sobre a cintura! Transmitia tanta segurança e confiança que se ele dissesse que iria fazer um voo de cabeça para baixo eu provavelmente o apoiaria, ávido por ver e aprender! Claro que ele não era louco para voar de cabeça para baixo, mas é bom que se diga, que ele e tantos outros pilotos contemporâneos dele, vinham de uma outra "escola de aviação". De uma época em que o Comandante podia tudo, ou quase tudo! Tinha-se muita liberdade para voar, sem muitos procedimentos padronizados e sistemas eletrônicos que hoje em dia, não apenas controlam o vôo, mas monitoram e informam se algum parâmetro ou procedimento do voo foi ultrapassado ou violado. Uma coisa que se fazia no passado, e que hoje em dia dificilmente se consegue fazer numa empresa aérea comercial, era o pouso "power off". A maioria dos pilotos em algum momento no passado já fez um pouso desses. É como se ,em um carro, você avistasse uma vaga a 400 metros de distância, em uma subida, e em ponto morto, só no embalo e usando o freio conseguisse uma manobra perfeita ao estacionar. Na verdade não é um procedimento recomendado, e nem autorizado pelas empresas. Mas é como eu disse, no passado era diferente, e os pilotos que já fizeram este tipo de pouso, certamente adquiriram um maior conhecimento da performance do avião, características e técnicas de pilotagem e até de suas próprias limitações. Voando em nível de cruzeiro, ao iniciar a descida, reduzimos a potência (power off) e assim voamos até cerca de 25 quilômetros da pista quando então aceleramos os motores para continuar na aproximação e pouso com um maior controle da velocidade do vôo. Pois no pouso PWR OFF, a potência permanece reduzida até o toque na pista. Efetua-se a descida numa rampa de planeio mais acentuada ou numa velocidade maior, ou uma combinação de ambas as condições, ou seja, alto e veloz! Requer habilidade, planejamento e uma certa dose de adrenalina. Meu voo com o Cmt. Dahne era para Manaus. No primeiro dia, fazíamos 3 pousos até Fortaleza e pernoite, no segundo dia mais 3 pousos até Manaus e outro pernoite, para no dia seguinte regressar ao Rio de Janeiro em 6 etapas com parada em Fortaleza. Na ida até Manaus, o Cmt Dahne deixava para o co-piloto efetuar as 6 etapas. Isso no A-300 significava que não apenas pilotávamos o avião, mas sob a supervisão dele, comandávamos o voo! Diferente do que ocorria em outros aviões da empresa na época, no Airbus, o co-piloto efetuava a partida dos motores, fazendo a comunicação com o mecânico, e também "taxiava" o avião. A maioria dos aviões possuem o comando de "steering" (comando direcional para o trem de pouso do nariz do avião que permite o controle e portanto o movimentação durante as operações de taxi nos pátios do aeroporto) somente do lado esquerdo, ou seja para o comandante, mas o A300 possuia este comando também do lado direito, no lado do co-piloto. Eu me sentia poderoso pilotando aquela máquina! O Cmt Dahne nos deixava muito à vontade , e quando fazia comentários sobre nossa pilotagem era para ensinar, para acrescentar e motivar. Mas assim que pousávamos em Manaus, ainda correndo sobre a pista, ele não se aguentava e assumia (nunca deixou de ter) os comandos do avião! Dizia que a volta era dele, que ele tinha pressa e gostava de voar rápido. E a volta era uma aula de pilotagem, dava prazer em ver tanta técnica e precisão! No 5º e último dia de vôo, na última etapa para pousar no Galeão por volta de 13:30 hs, todos os tripulantes do vôo (éramos em 13: Cmt, co-piloto, mecãnico de voo e 10 comissários) demonstravam uma certa euforia, animados para chegar no RJ. O dia estava lindo, nenhuma nuvem no céu e de longe avistávamos toda a cidade, Baía de Guanabara e o Galeão com suas 2 pistas de pouso. O procedimento de chegada era quase sempre o mesmo, ou seja, após praticamente sobrevoar o aeroporto, passávamos sobre a região de Duque de Caxias, para então nos afastar até cerca de 35 quilômetros, e com uma curva pela direita, regressar em direção à pista 15 (rumo magnético 150 graus). Mas naquele dia de vento calmo, o controle de tráfego aéreo perguntou se tínhamos condições de efetuar uma aproximação direta para pousar na pista 28 (rumo magnético 280 graus). - Afirmativo! Disse o Cmt Dahne. Descida em condições visuais, alto e veloz, condições ideais para um power off, do jeito que ele gostava, encurtando o caminho, em alta velocidade! Assim autorizados, ficamos altos em relação à rampa ideal de descida. Para ajudar o avião a descer foram distendidos os "speed brakes" e empregada a máxima velocidade. Os "speed brakes" são superfícies que levantam sobre as asas, com a finalidade de destruir parcialmente a sustentação e assim ajudar no aumento da razão de descida e/ou redução de velocidade. Chegando próximo à pista iniciou-se a redução da velocidade de forma a voar da máxima para a mínima, que é a velocidade de pouso. Para ajudar foram abaixados os trens de pouso, e em seguida iniciado o arriamento dos flapes. Naquele momento estávamos apenas um pouco acima da rampa ideal, mas ainda velozes! No A-300 não era rotina voar com os "speed brakes" distendidos abaixo de 180 nós de velocidade, então, quando o velocímetro indicou 180; 178 e diminuindo, eu alertei o Cmt Dahne para aquela condição. Ele me disse para ficar tranquilo, pois como eu veria em seguida, o avião tinha um excelente comportamento mesmo com speed brakes e velocidade abaixo daquela. Fiquei tranquilo, observando e aprendendo. Foi um pouso lindo! Pouso "manteiga", "lambido", power off, no ponto certo da pista, na velocidade ideal! Nunca tinha visto algo semelhante. Isso foi no final de março de 1989, e o que eu não sabia naquele dia, era que aquele vôo viria a ser o meu último no Airbus, pois em abril eu iniciaria o curso para voar o 737-200, pois já estava chegando a hora da minha promoção para Comandante. Quanto ao Comandante Dahne, poucos anos depois ele se aposentou compulsoriamente ao atingir 60 anos de idade, mas nem por isso ele deixou de frequentar as quadras de volley de praia em Ipanema. No mês passado fiquei sabendo que ele faleceu há não muito tempo. Eu tive a honra de ser seu co-piloto, e pelo que eu o conheci, ele sempre vai estar nas alturas!

  • Na sequência de fotos, um Catalina, um YS-11 Samurai, o Caravelle, e o Airbus, taxiando no aeroporto do Galeão. Há também um "croqui" que eu desenhei com o procedimento de chegada no Rio de Janeiro.

sábado, 14 de novembro de 2009

Airbus A-300

Após voar por um tempo o Boeing 737, 727 ou Electra na função de co-piloto II, havia na Varig a promoção para co-piloto III para então voar aviões maiores. Na época em que estava chegando a minha vez para promoção, as chances eram de voar o DC-10, o Boeing 767 ou o Airbus A-300. Para o Jumbo 747 não havia promoção e o B-707 estava em fase de aposentadoria. O DC-10 voava o mundo inteiro, o B-767 era um avião novo na empresa, que além de voar para o Canada e Miami, cobria as rotas nacionais e América Latina. Já o Airbus, era o "patinho feio" da frota! Havia somente 4 aviões (2 com pintura Varig e 2 com pintura Cruzeiro), que por terem perdido linhas para os modernos B-767s, tinham deixado de voar para Miami, Caracas e Bogotá, restando a eles 3 voos: Fortaleza, Manaus e Buenos Aires. Pois bem, estava feliz na Ponte Aérea e, quando ao encerrar a programação do dia liguei para o setor que coordenava os cursos, fiquei sabendo que o meu curso para promoção a co-piloto III de Airbus já havia começado a 3 dias atrás! Na manhã seguinte já estava no Rio de Janeiro para acompanhar meus colegas no "ground school", como é chamada a parte teórica do treinamento. O ''patinho feio" com capacidade para 232 passageiros, distribuidos nas classes econômica, executiva e primeira, não voava para longe, mas em compensação, os voos eram uma tranquilidade! Etapas mais curtas, só usávamos paletó e gravata nos voos para Buenos Aires, viajávamos com pouca bagagem, e o grupo de tripulantes, além de ser reduzido, era em sua maioria oriundos da Cruzeiro do Sul, o que fazia uma grande diferença. Uma turma muito bacana, não eram necessariamente cariocas, mas moravam no Rio de Janeiro, e tinham um jeito diferente de trabalhar, mais descontraido, mais à vontade. Outra grande vantagem era que, não havendo simulador de voo do A-300 na América do Sul, tínhamos que nos deslocar para Miami ou Europa. No meu caso, após o "ground school", fomos para Paris, onde fiquei 17 dias em treinamento nas instalações da Air France. Ainda tive 2 treinamentos periódicos, quando após um deteminado período voltamos para o simulador para uma reciclagem, e nestas ocasiões, foram mais 2 temporadas de 5 dias em Madri, nas instalações da Ibéria. É claro que nestes momentos, além de estudos, há também muito passeio e diversão! O grupo de pilotos era pequeno, e os comandantes não faziam "mistério" quanto à operação do avião, nos deixavam à vontade e por isso, aprendíamos muito nos voos. E finalmente, o melhor de tudo, é que foi em um voo para Fortaleza que eu conheci uma comissária por quem me apaixonei, casei e com ela tive meus 2 filhos. Foi um período de um ano e meio que curti demais e que rendeu muitas estórias que aos poucos compartilharei aqui.




terça-feira, 10 de novembro de 2009

O acidente de Abidjan

No começo de 1987 aconteceu o acidente com o Boeing 707 em Abidjan, capital da Costa do Marfim. Foi um grande susto para todos nós que trabalhávamos na Varig ouvir aquela notícia. O curioso é que aquele vôo seria o último daquele avião (perfixo PP-VJK) que, após pousar no Galeão/RJ, seria entregue para FAB. No vôo havia 39 passageiros e 12 tripulantes. O avião teve problemas após a decolagem, e quando regressavam para o pouso, a poucos quilômetros da pista, entrou em atitude anormal caindo então na floresta. Com seus tanques cheios de combustível, houve uma grande explosão e apenas 3 passageiros sobreviveram à queda do avião, porém 2 faleceram durante o resgate. Eu não conhecia ninguém da tripulação, mas muitos colegas da Ponte Aérea conheciam e se mostravam perplexos já que o Comandante Carneiro, ou Carneirinho, como era chamado carinhosamente, era um piloto experiente. É sempre assim, o piloto quase sempre é experiente...Eu fiquei assustado, pois se aconteceu com eles era porque também poderia acontecer com qualquer um de nós! Infelizmente outros acidentes, ainda que de menor gravidade, viriam a ocorrer após este episódio em Abidjan, mas este foi o que mais me impressionou. Estava há pouco tempo na Varig e percebi que, apesar de todo o treinamento, manutenção, dos excelentes índices de segurança e estatísticas que fazem da aviação o meio de transporte mais seguro que existe, aviões caem, e acidentes sempre vão ocorrer.

P.S. Para quem se interessar pela história do acidente, há um excelente relato no Blog do Lito (Aviões e Músicas: http://www.avioesemusicas.com/aviacao/pp-vjk/ ) escrito pelo jornalista Gianfranco Betting.

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Um certo Cmte Pê

Quando entrei na Varig, um dos comandantes que voava o Electra há anos era o Cmte Pê (vamos chamá-lo assim). Na época ele devia ter 55 anos e cabelos completamente brancos. Voando o mesmo avião há anos, ele conhecia tudo de Electra, e olha que este era um avião cheio de detalhes técnicos que tínhamos que saber. Pesos, temperaturas máximas dos motores em vários regimes de potência, ângulos das hélices, sistemas e procedimentos. Além disso, ele tinha fama de ficar fazendo perguntinhas aos co-pilotos e mecânicos de vôo, testando assim o conhecimento da tripulação. Por isso, apesar de me manter em dia com os estudos, torcia para não voar com ele. Ele tinha uma voz anasalada, e principalmente para seus alunos/co-pilotos, dizia frases hilárias! Teve um aluno, vamos chamá-lo de Eme, que teve que aguentá-lo durante a instrução. Eme estava pilotando quando avistavam urubus à frente, então o Cmte Pê falava: -Olha os corvos Eme, olha os corvos, vai bater! Nas aproximações para pouso, há um equipamento chamado VASIS, que colocado próximo à pista emite feixes de luzes, que, quando o avião está se aproximando abaixo de uma rampa considerada ideal, se tornam vermelhas. Pois o Eme estava se esforçando na pilotagem para pouso no Santos Dumont, e seu instrutor começava a exclamar: - Ô Eme, esta sua aproximação é comunista pois você está do lado esquerdo (do eixo da pista) e está tudo vermelho! No Electra havia ajustes de potência e o maior deles era chamado de METO POWER. Então, em vôo nivelado o Cmte Pê dizia ao aluno: - Acho bom colocar um pouco mais de potência. Alguns segundos depois um novo alerta: - Agora é necessário mais potência! O aluno se esforçando e em seguida com a voz anasalada ele começava a falar: - Agora nem com METO POWER, nós vamos cair! Que exagero... A última frase era na curta final para pouso, quando a poucos segundos para o toque na pista ele começava a dizer: - Ô Eme, você já avisou o “flight” (o mecânico de vôo) que nós vamos pousar na grama? Porque eu já estou sabendo! Ele era uma figura, e seus alunos tinham que ter uma paciência do tamanho do Electra! Alguns anos depois ,este comandante Pê foi voar o Boeing 737 ,e durante a instrução, quando ele era o aluno e voava com um comandante-instrutor, cometeram um engano e pousaram no aeroporto de Lagoa Santa em vez de pousar em Confins/MG. Lagoa Santa é um aeroporto militar cuja pista fica bem próximo à pista de Confins, não sendo tão difícil fazer confusão. Claro que uma coisa é achar que é e perceber que não é, e outra coisa é só perceber depois do pouso! Este tipo de erro já ocorreu algumas vezes. Um Boeing da FAB pousou em Araguari ao invés de Uberlândia, um F-100 da TAM pousou em Guarapari e não em Vitória, a Transbrasil já teve um episódio semelhante e a Vasp provavelmente também. Pois após o pouso em Lagoa Santa, ao se aproximarem do pátio de estacionamento e avistar soldados da Aeronáutica armados, o Cmte Pê exclamou: - Agora o pessoal da equipe de limpeza está usando fuzil! Ao se darem conta do engano ele efetuou contato rádio com a empresa pedindo que confirmassem se ele então estava demitido naquele momento ou se estava autorizado a concluir o vôo até Confins. Claro que não houve demissão. A chefia de pilotos, além de compreensiva, era também bastante condescendente. Em 1990 eu tive o prazer de voar o B-737 com ele, sendo seu co-piloto em mais de uma programação. Na verdade, o Cmte Pê era um cara bem legal, simpático, um bom piloto, engraçadíssimo e acima de tudo um grande coração. Após voar com ele eu voltava para casa sempre cheio de casos para contar. Tentando imitá-lo com a voz anasalada, reproduzia as estórias que ele me contava em vôo sempre com muito bom humor. Minha mulher morria de rir!

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Meu primeiro vôo de Comandante, de verdade!

Alguns dias após a tentativa frustrada de fazer meu primeiro vôo na funçao de Comandante, finalmente chegou a hora! Foi um vôo normal, decolamos do Galeão/RJ por volta de meia noite com destino a Recife e escala em Salvador. O co-piloto foi o Vaudano, que hoje é comandante também e colega de empresa. Antes do vôo disse a ele que aquele seria meu primeiro voo como comandante, e que ficasse de olhos abertos pois afinal era uma condição nova para mim. Aos comissários eu preferi só contar após a chegada em Recife. Aliás, faço um parêntese para contar um caso que aconteceu com um outro colega. Era o primeiro voo dele como Comandante após a promoção, um voo para Brasilia com escala em Goiânia. Durante a primeira etapa, ele fez um anúncio aos passageiros e além das informações de praxe, ele disse que gostaria de compartilhar com todos a emoção que estava sentindo pois aquele era o primeiro voo dele na função de Comandante. Adivinha o que aconteceu? Exatamente, na escala em Goiânia, vários passageiros que seguiriam para Brasília preferiram desembarcar! Mas meu voo foi tranquilo. Deixei que o co-piloto fizesse a primeira decolagem. Até a "rotation" (velocidade em que puxamos o manche pra tirar o avião do chão) eu estava bem atento, mas senti que fiquei meio lento assim que decolamos . Talvez por instantes eu estivesse imerso em pensamentos e lembranças de toda minha trajetória até chegar naquele momento. Percebendo que eu estava meio lerdo tratei de voltar minha atenção para o voo. E foi tudo bem. Chegamos em Recife com o dia amanhecendo, quando então contei para os comissários que aquele tinha sido um vôo especial para mim. No dia seguinte, toda a tripulação seguiu para Manaus, e no terceiro ou quarto dia de voo, voltamos para São Paulo. Isso foi no final de maio de 1991.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Meu primeiro vôo comandando um Boeing

Em 1991, após instrução e treinamento em simulador, fui aprovado e promovido à função de comandante no Boeing 737-200. Minha primeira programação foi em maio, era um voo saindo do Galeão/RJ para Foz do Iguaçú com escala em Curitiba. Apesar de estar ansioso, aparentava tranquilidade diante daquele voo tão significativo para mim. Ao chegar no aeroporto encontrei os demais tripulantes do voo, passando à equipe de comissários as informações e recomendações de rotina. Junto com o co-piloto fomos a sala de briefing tomar conhecimento da documentação do vôo, navegação, meteorologia e etc. Lá fomos informados que o avião se encontrava no hangar da manutenção, onde os mecânicos estavam trabalhando para solucionar um problema no mesmo. Logo estaria pronto para o vôo, bastaria aguardar um pouco. Após mais de uma hora de espera e de ser chamado de Comandante diversas vezes, pelos despachantes, manutenção e tripulantes, veio finalmente a informação definitiva à respeito do voo: -Comandante, o vôo está cancelado, e o Sr. e os demais tripulantes estão dispensados! -Pois não! Peguei minha mala e voltei para casa. Nunca foi tão fácil ser Comandante!

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Varig, Varig, Varig!

No dia 22 de julho de 1986 foi feita a minha admissão na Varig. A minha turma, que era de 20 co-pilotos, foi praticamente toda para o Boeing 737, ou o 727. Dois colegas e eu fomos admitidos para voar os Electras na Ponte Aérea RJ/SP. Assim, tive que aguardar mais um tempo para pilotar aviões a jato pelo Brasil a fora. Em compensação, após um período morando em Porto Alegre, minha vida deu uma acalmada, pois voltei a morar com minha mãe e meus irmãos, ter bastante contato com meus velhos amigos, ir ao clube e o mais gostoso: ir para Congonhas para trabalhar de co-piloto em um dos aviões mais bacanas que eu conheci. Antes de começar a instrução no avião, havia as sessões de simulador de vôo. O simulador do Electra era um barato! Era enorme, do tamanho de um container, e deve ter sido muito moderno quando foi fabricado, mas certamente obsoleto se comparação com o simulador de um Boeing. Mas ele cumpriu bem sua função e segui para o treinamento em vôo. Houve um tempo em que havia muitas restrições para as operações de pousos e decolagens no Santos Dumont com os Electras, apenas os Comandantes podiam efetuar as operações. Porém, após anos de voos seguros na Ponte Aérea, este “mistério’ já não havia mais, e co-pilotos podiam pousar e decolar sem problemas. Meu instrutor era um cara muito bacana, e já nos primeiros vôos eu já estava pousando e decolando tanto em São Paulo quanto no Rio de Janeiro. Ele me ensinou as “manhas” do avião, as características da rota, das aproximações e como ele era extremamente sociável, me apresentou a muita gente. A cada escala, seja no RJ ou em SP, aproveitávamos o tempo de espera entre um vôo e o outro para dar uma passeada. Ele me levava no prédio da Varig onde funcionavam vários departamentos e ia me mostrando aonde era cada setor da empresa, me apresentando para as pessoas. Sabe aquele cara que não consegue dar 3 passos sem parar para conversar com um conhecido? Assim era ele, e eu fui conhecendo a empresa e seus funcionários. No final do dia, na medida em que os aviões iam parando para só recomeçar os vôos no dia seguinte, os pilotos se reuniam para um “happy hour”. Também conheci muitas comissárias, o que sem dúvida é um dos lados bons da aviação comercial, especialmente quando se é solteiro! Bons tempos, eu voltava para casa muito feliz e animado. Após o período de instrução, estava livre para voar com os diversos Comandantes. Alguns já voavam o Electra há anos, mas a maioria havia sido promovido há pouco tempo. Com muitos co-pilotos, mecânicos de vôo e comissários recém admitidos na empresa o clima era de muito entusiasmo. De fácil pilotagem e excelente capacidade de frenagem, não levei nenhum susto voando os Electras. Algumas vezes, mais por precaução do que por real necessidade, um dos motores era desligado em vôo. Sem problemas, voando com uma hélice parada e as outras 3 girando, ele ficava até mais belo, e seguia tranqüilo para o pouso. As chegadas no Rio de Janeiro eram sempre maravilhosas, o Electra parecia fazer parte da paisagem da cidade. Minha passagem pelo Electra foi relativamente rápida, pois no final de 87, já estava me despedindo para vôos mais longos. Foi o fim de uma era quando anos depois os Electras foram finalmente substituídos pelos Boeings, deixando muita saudade entre aqueles que o conheceram.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

De magrela para o trabalho

Dizem que a parte mais perigosa numa viagem de avião é o trajeto de casa para o aeroporto. Acho que é verdade, sendo que aqui em São Paulo, é também uma das partes mais chatas e requer um bom planejamento. Assumindo programações em Congonhas ou Guarulhos, temos que sair de casa com uma boa antecedência, levando em conta se é véspera de feriado, se vai chover, se o Corinthians vai jogar ou não, enfim, um verdadeiro jogo de adivinhação para chegar ao aeroporto na hora certa. Com isso, em 99 quando passei a voar fixo na Ponte Aérea, consegui realizar um grande desejo. Além de poder ir para Congonhas de carro e deixá-lo estacionado no pátio da Varig (privilégio que os pilotos da Ponte tinham), passei a ter a opção de ir de bicicleta. Morando no bairro do Brooklin, a cerca de 4 quilômetros de distância do aeroporto, fazia o percurso em 15 a 17 minutos, dependendo dos semáforos das 3 principais avenidas que eu tinha que cruzar. O mesmo percurso, quando feito de carro podia levar de 4 minutos as 6 da manhã ou até mais de meia hora dependendo do horário. Era muito bom ir de bicicleta, amarrava a pequena mala na garupa, calçava um All Star preto e seguia contente para o trabalho. Para não deixar a “magrela” em qualquer lugar sujeita às intempéries do tempo, consegui uma autorização para amarrá-la em um lugar especial, escondida em um corredor sem saída, atrás da sala de um chefe. Lá deixei uma corrente e cadeado em volta de um cano, assim, no caso de eu regressar de vôo e estar chovendo, largava a bicicleta lá para posterior resgate. E o esquema foi melhorado, então consegui um armarinho no vestiário do pessoal da manutenção. Ficou perfeito! Podia manter no armário uma camisa sobressalente, guardar o quepe, e até a mala. Quando chegava um pouco mais suado ou quando ia direto do clube para o trabalho, tomava um banho, colocava o uniforme e seguia para o avião. Nesta época não havia necessidade de passar pelo aeroporto, íamos para os aviões passando por dentro do hangar da Varig, tornando o nosso dia-a-dia de trabalho bem mais fácil. Conseguia sair de casa uma hora antes da decolagem, independente do dia e horário, e chegar ao avião antes mesmo que os demais tripulantes. Um momento gostoso nas minhas pedaladas era quando tinha que sair bem cedo de casa para assumir os primeiros vôos do dia. As seis horas da manhã já estava pedalando por ruas calmas, ouvindo o canto dos pássaros e assobiando com eles. Cruzava por uma feira livre e via o pessoal ainda montando as barracas. No inverno pedalava de gravata, pulôver e uma jaqueta por cima, sendo que na ida eu era mais cauteloso, afinal não podia levar um tombo e chegar sujo ou ralado, em compensação a volta era só alegria. E adrenalina! Voltava em forte pedalada, chegando rapidinho em casa. Onze, onze e pouco, família toda dormindo e eu chegava em casa numa animação só. Certa vez sai de casa um pouco em cima da hora quando a duas quadras de casa percebi que havia me esquecido de colocar o sapato de vôo na mala. Não dava tempo para voltar então fui assim mesmo. Pedi para minha mulher deixar meus sapatos no balcão de check-in da Ponte Aérea. Fui e voltei para o Rio de Janeiro de All Star, e na volta, aguardando o avião estava a despachante com uma sacolinha com o calçado do Comandante! Ir para o aeroporto de bicicleta foi um grande estímulo, era mais um ingrediente para tornar o trabalho prazeroso. Em agosto de 2003 a moleza acabou, pois fui voar nas rotas internacionais, assumindo vôos em Guarulhos e carregando bem mais que uma malinha. Mesmo assim, sempre que tinha atividades em Congonhas relacionadas a ensino, treinamento ou algo do gênero, e não estava chovendo, eu procurava ir pedalando. No ano passado eu me mudei de bairro, agora o percurso de bicicleta leva 40 minutos. Ainda não tive a chance de ir de bicicleta, mas certamente não faltará oportunidade. De qualquer forma, durante uns anos tive bons momentos e contribui com um carro a menos na cidade. Um estilo Chinês-Holandês de ir para o trabalho.

sábado, 24 de outubro de 2009

Tripulação de jovens

Há uns anos atrás, quando estava voando o MD-11, a idade média dos tripulantes a bordo era maior, de 40 anos para cima. Na cabine de comando dificilmente se encontrava alguém com menos de 35 anos e pelo menos 12 anos de aviação comercial. Atualmente tenho trabalhado com tripulantes bastante jovens, co-pilotos e comissários na faixa dos 26 anos de idade, e algumas vezes menos ainda. Até pouco tempo atrás quando o co-piloto me chamava de senhor, chegava a doer no ouvido, hoje já me parece mais natural, afinal para ele com 25 anos de idade, eu com 44 estou mesmo meio velhinho! 

Outro dia, um co-piloto estava me contando suas aventuras amorosas. Contou-me que estava saindo com uma coroa que conheceu na net. Saíram juntos, foram para um motel e foi legal, pois a coroa até que estava inteira. Perguntei qual era a idade desta coroa? Trinta e cinco anos, ele respondeu! É, o tempo está passando...Já fui jovem também. 

Quando voei o Bandeirante na Rio-Sul com vinte anos de idade e ficava do lado de fora do avião para recepcionar os passageiros, volta e meia um deles se espantava ao ver que eu era o co-piloto mal tendo barba na cara. Pouco tempo depois o mesmo se repetia no Electra da Ponte Aérea quando estava com 21 anos. Certa vez durante o embarque um passageiro me abordou perguntando se eu era realmente o co-piloto do avião. Respondi com orgulho que sim, e ele então me questionou se eu tinha autorização e se meus pais sabiam que eu estava ali. Em abril de 91, com 26 anos recém completados, eu fui promovido à função de comandante. Aí sim a tripulação era jovem! Voava Brasil a fora acompanhado de um co-piloto que podia ter 23 anos, e comissários também com idade entre 21 e 24 anos. O que você acharia de voar sob a responsabilidade de pessoas tão jovens? Os passageiros ao me verem ficavam um pouco ressabiados, mas como já estavam embarcando, e afinal se a empresa aérea nos colocou naquela função, deve ser porque tínhamos a competência necessária. Assim como eu, outros colegas foram promovidos com pouca idade, pois entramos na Varig numa época de crescimento acelerado, portanto as promoções vinham rápidas.

 Na época em que fui promovido, entrou na Varig um grupo de comandantes oriundos da Vasp e Transbrasil. Fiz vários vôos com eles, e quando nós voávamos juntos, dois comandantes ao invés de comandante e co-piloto, eu era o responsável pelo vôo, e é claro, sentia o “peso” da diferença entre nossas experiências. Eu recém promovido, e eles com 35 ou mais anos de idade, com 7 a 12 anos de prática na função de comandante. Eu me virei bem! Estudava bastante, pois acredito que na falta de experiência prática, um bom recurso é preencher esta lacuna com conhecimento teórico. Na hora do “vamos ver”, se faltar de um lado, compensa-se com o outro. A experiência é muito boa, e só se adquire com o tempo, enquanto isso, prudência, saber ouvir, saber dizer não, não sei, me deixe pensar um pouco, e finalmente reconhecer limitações é fundamental.

Se hoje a diferença de 20 anos entre eu e o co-piloto faz com que eu os ache jovens para a função, eu fico imaginando o que deveriam pensar os comandantes com quem voei o Airbus A-300, (avião para 232 passageiros) em 1988? Eles tinham entre 50 e 60 anos e eu com apenas 22 quando iniciei a instrução para co-piloto. Quando eu estava nascendo, eles já eram comandantes há algum tempo. Havia um comandante, o Mateus, que na época devia estar com 40 anos de idade, e que quando se ausentava da cabine para ir ao toalete, ou apenas para esticar as pernas, antes me perguntava o que eu deveria fazer em sua ausência, caso ocorresse uma despressurização da cabine, uma falha de motor ou outra pane qualquer. Dizia a ele toda a sequência de ações e procedimentos, sempre me lembrando das sessões de treinamento em simulador. Então ele se virava para mim com uma expressão entre o sério e a brincadeira e dizia: - Nada disso menino! Não mexe em nada, me chama que eu venho rapidinho, não mexe em nada!



  • Jovem em dois momentos: com 21 anos no Electra e com 22 em instrução no Airbus A-300.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Meu cunhado piloto

Tenho um cunhado, irmão da minha mulher, que depois de muitas aventuras em terra e mar, decidiu que era hora de conquistar o ar. Em 2005 tirou brevet para voar Ultraleves, e hoje, além da licença de piloto privado, está em treinamento para tirar habilitação para vôo por instrumentos. Em Brasília ele freqüenta um clube de ultraleves aonde há uma pista, hangares com infra-estrutura de fazer inveja a muitas casas de campo e uma turma muito unida que se reúne para conversa, churrascos e revoadas para os mais diversos cantos. Em 2006 tive a oportunidade de voar com ele em um ultraleve anfíbio sobre a cidade e o lago Paranoá. Havia muitos anos que eu não entrava em um aviãozinho (turma da Apub, me perdoem o termo!), ainda mais em um anfíbio. A primeira e única vez que eu tinha voado de ultraleve havia sido em 1983, quando ultraleves eram sinônimo de aventura perigosa, eram abertos, de lona e se voava de capacete, sentado em um assento tipo “marfinite” de plástico. De lá para cá, estas máquinas evoluíram muito, seja no material, motor, equipamentos e instrumentos. Assim, cheio de confiança nele e em Deus, embarquei num Super Paturi e decolamos da pista da Apub (Associação de Pilotos de Ultraleve de Brasília) numa tarde de sol. Devo fazer uma correção, pois não decolamos, quem decolou foi ele! Embora eu tivesse cerca de 13 mil horas de vôo, e ele umas 100, sem dúvida ele estava mais qualificado que eu para operar aquela aeronave! Voando há muito tempo na aviação comercial, sente-se falta de instrumentos, horizontes artificiais, comandos hidráulicos e outros equipamentos que no Super Paturi não há. Outra diferença brutal era que na época eu estava voando o MD-11, avião que decolava com até 272 toneladas de peso; sendo que sentado na cabine de comando, ficávamos a 5 metros do chão, e no momento do pouso, bem mais que isso. Já no Paturi, o peso máximo de decolagem é de 600 quilos e, quando pousados no lago, fica-se com o traseiro abaixo da “linha d’água”. Portanto, nem me atrevi a pousar e decolar, apenas pilotei um pouco e curti o visual e o pouso no lago. Também voei com ele um RV-9 e depois um RV-10, que são maiores e mais bem equipados que o Paturi. Atualmente ele está com um Lancair, que é um monomotor para 4 pessoas e motor turbohélice. Sem dúvida mais seguro que os demais em função da hélice ser movida por uma turbina e não por um motor a pistão. Mas num vôo que fiz com ele de Lancair para Itumbiara, confesso que algumas vezes olhava para a asa e para o velocímetro indicando 250 nós (460 km/h) de velocidade e senti saudade do Pelican, um outro ultraleve que ele teve, e que por voar mais devagar parecia ser mais seguro. Neste Pelican, minha filha foi com ele para Niquelândia, e na volta foi a vez do meu filho. Haja confiança no cunhado! E haja argumentos para minha mulher permitir tal aventura. Aliás, recentemente neste mesmo Pelican ele e sua mulher estavam chegando em Brasília quando o motor parou! Ele se preparou para um pouso forçado em um terreno baldio, enquanto ela se segurou e confiou “Nele”! O pequeno ultraleve se acabou, mas eles nem se arranharam. Eu disse a minha mulher que isto foi a prova de que o ultraleve é seguro, e que ela pode confiar no irmão, mas não sei porque, ela concluiu justamente o oposto!

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Linha de Instabilidade

As frentes frias que vêm do sul do Continente estão sempre associadas a mau tempo. Isso ocorre porque a parte da frente da massa de ar frio que avança, ao se chocar com a massa de ar quente, gera muita instabilidade no ar, trazendo nuvens pesadas com tempestades, trovoadas e formação de gelo no interior delas. Algumas vezes, esta condição é tão intensa que estas nuvens, chamadas de TCU (towering cumulus nimbus), vêm em linha, uma ao lado da outra, deslocando-se em conjunto rapidamente. Os aviões em nível de cruzeiro podem precisar voar por muitas milhas à esquerda ou à direita da rota para poder contornar esta linha de instabilidade que pode ter 300 quilômetros ou mais de comprimento. Dependendo da situação, é possível cruzar este conjunto de formações meteorológicas passando entre uma nuvem e outra. Contornar por um lado ou outro, ou cruzar a linha, vai depender de uma série de fatores, entre eles a autonomia de vôo (quantidade de combustível nos tanques) e as condições meteorológicas do destino, alternativa e origem, já que o regresso ao aeroporto de saída pode ser a opção mais segura. Muito bem, há um tempo atrás decolei de Montevidéu para Porto Alegre por volta de das 3 hs da tarde considerando Curitiba como alternativa para o caso de não ser possível o pouso no destino. Havia uma previsão de tempo ruim em Porto Alegre justamente no horário de nossa chegada, pois uma linha de instabilidade já estava atuando no interior do Rio Grande do Sul, com muita chuva na região. Aumentamos a quantidade total de combustível com um adicional para o caso de um desvio muito longo em rota, ou até mesmo uma espera na área de P. Alegre caso chegássemos lá e o aeroporto estivesse com as operações suspensas devido ao mau tempo. Inicialmente, seguimos com tempo bom na rota, mas já visualizando na tela do radar a linha de instabilidade. A aproximadamente 250 quilômetros de P. Alegre, percebemos que o mau tempo já estava sobre a cidade, e naquele momento o controle de tráfego aéreo nos informou que os pousos e decolagens estavam suspensos. Algumas aeronaves já faziam espera aguardando a melhoria das condições, pois não apenas chovia forte, mas ventos de até 150 km/h castigavam o aeroporto. Nem iniciamos a descida, e como tínhamos combustível extra, poderíamos seguir para Curitiba ou Florianópolis, ou mesmo seguir direto para São Paulo- Guarulhos, que era o destino final da viagem após a escala em P. Alegre. Efetuamos um contato via rádio com a empresa para informar a situação, nossas opções, e obter alguma orientação. Há um setor nas empresas aéreas chamado de Coordenação, que possui uma série de informações que podem ser úteis ao decidir para onde desviar um vôo. Informações da malha de vôos, conexões, estoque de peças de manutenção para eventual atendimento, boletins meteorológicos atualizados e etc. Assim, este setor nos informa qual é a melhor opção do ponto de vista da companhia, se é aguardar a melhoria do tempo, seguir direto para o aeroporto A, B ou C, ou retornar ao local de origem. É claro que a decisão cabe sempre ao Comandante do vôo em função da segurança, e não da conveniência da Coordenação. Naquele dia, a orientação era para seguir direto para S.Paulo. Mas ainda havia a linha de instabilidade à frente, e cada vez mais próxima. Poderíamos contorná-la pela direita, mas o caminho seria muito longo, voando sobre o mar por muitas milhas, aumentando nosso consumo e impossibilitando o vôo direto a SP. Além disso, mesmo efetuando o contorno, a turbulência seria inevitável. Pelo lado esquerdo, encontramos uma boa distância entre duas grandes nuvens, logo, permitindo passar pelo mau tempo. Com um bom ajuste no radar meteorológico em termos de ângulo da antena, ganho, brilho e intensidade da imagem, informei à equipe de comissários e passageiros que iríamos passar por uma área de turbulência. Todos sentados, com cintos afivelados, ignição e sistema de anti-gelo dos motores ligados, e após menos de 10 minutos de turbulência leve a moderada encontramos novamente tempo bom em rota. Informei aos passageiros a situação, e que seguíamos para SP. O aeroporto de P. Alegre permaneceu fechado por mais de uma hora, sendo que os vôos que para lá seguiam foram desviados para Florianópolis, Curitiba e Caxias do Sul. Foi um fim de tarde terrível não só para a capital do Rio Grande do Sul, mas também para o interior do Estado. No final do dia os noticiários da TV mostravam o rastro de destruição nas cidades: árvores caídas, casas destruídas, queda de energia, alagamentos e caos no trânsito. Os passageiros que iam para São Paulo ficaram contentes, pois chegaram mais cedo, e evitaram uma escala. Já os passageiros que se destinavam a P. Alegre compreenderam a situação, especialmente quando após chegar em S. Paulo, efetuaram contato por telefone e ficaram sabendo que o tempo continuava muito ruim por lá. Procurei tranquilizá-los, dizendo que o vôo que os levaria para Porto Alegre só iria decolar por volta de nove e meia da noite, e ao pousar no destino, o mau tempo certamente já teria ido embora. Quanto a nós tripulantes, fomos dispensados, e chegamos mais cedo em casa para na noite seguinte ver aquela chuvarada cair sobre São Paulo.


PS. Os posts intitudados "Mi Buenos Aires Querido" (abril) e "Sobre o acidente com o Air France"(maio), estão associados a uma linha de instabilidade.

sábado, 17 de outubro de 2009

Ponte Aérea - Uma família

Já falei várias vezes sobre o tempo em que voei na Ponte Aérea, seja na época de co-piloto de Electra, e também mais tarde, quando era comandante de Boeing 737. Realmente foi um período especial, tanto que quando em 2001 tive a oportunidade de voar nas rotas internacionais, optei por ficar mais um tempo na Ponte. Lá o ritmo sempre foi agitado, mas com certeza, bem mais calmo que hoje em dia. Era um grupo fixo, e relativamente pequeno, divido entre a base São Paulo e a base Rio. Por essas características, conseguíamos conhecer melhor as pessoas com quem trabalhávamos. O grupo de comissários de bordo era na sua maioria composto de mulheres, sendo quase todas elas casadas e com filhos. Voando diariamente com o mesmo grupo, sabíamos o nome dos filhos, maridos e esposas dos colegas, sabíamos onde moravam e compartilhávamos problemas pessoais. E não era só entre os tripulantes que esta relação era mais próxima! Também acabávamos conhecendo melhor o pessoal de terra, sabíamos o nome dos funcionários da limpeza, manutenção e serviço de abastecimento de comissaria. Era muito legal. Como o tempo entre um vôo e o outro variava de 30 a 45 minutos, muito bate papo rolava enquanto os passageiros não embarcavam. Os fumantes aproveitavam este tempo para fumar um cigarro na salinha da equipe de limpeza das aeronaves, que ficava próximo aos aviões. No Santos Dumont havia o Reginaldo que aproveitava para vender ótimas saladas de frutas e outras comidinhas, que davam de 10 à zero nas refeições de bordo. Também no Rio de Janeiro, o pessoal organizava bolões quando a mega-sena estava acumulada, ocasiões em que eu sempre voltava para casa cheio de planos para o futuro. Havia a comissária Mari Euge, que voava há tantos anos na Ponte Aérea, que já conhecia alguns passageiros assíduos. Quando ela fazia a primeira ou segunda Ponte SP/RJ no horário da manhã, ela já sabia que alguns de seus passageiros assíduos iam embarcar, e já reservava para eles o jornal de sua preferência. Fora do ambiente do trabalho, era comum nos reunirmos em festinhas infantis, churrascos organizados pelo grupo, aniversários ou para um chopinho. Interessante comentar, que nestes encontros também minha mulher podia conhecer as pessoas do meu trabalho de quem tanto eu falava. Hoje quando me perguntam se gostaria de voltar para a Ponte Aérea, eu respondo que não, quem sabe um dia. A Ponte mudou bastante nestes últimos anos, o grupo é bem maior, o ritmo é mais frenético e o intervalo entre os vôos é bem menor, deixando pouco tempo para este “lado social”. Quero na minha lembrança aquela Ponte sossegada e divertida que volta e meia eu comento neste Blog.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Voando na Rio Sul

O primeiro semestre de 1985 foi marcado pelo meu primeiro emprego na aviação. Foram seis meses voando de co-piloto no Embraer-Bandeirante pelo interior do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Morei em Porto Alegre dividindo um quarto com meu colega Sérgio Alberton em uma pensão, tinha um Fusquinha e ganhava um salário aonde já era possível economizar um dinheirinho. Após um mês voando com um comandante instrutor, estava liberado para voar com os demais comandantes, me habituando à rotina da aviação comercial. Cada voo era um aprendizado, onde eu ia conhecendo mais localidades, novos comandantes e passando por diversas situações. O Bandeirante era um belo avião para 16 passageiros, e tinha, ou melhor, não tinha uma característica que os copilotos adoravam: O avião não era equipado com piloto automático, por isso, o voo era todo realizado "na mão". Havia um comandante que na volta de Uruguaiana para Porto Alegre, após o horário do almoço, dava um cochilo (Comandante quando cochila, fica com um olho aberto e o outro fechado!) fazendo a alegria dos copilotos. Naquela "aviação" tínhamos atribuições que em aviões e empresas maiores são realizadas por um departamento específico. Uma destas atribuições era a confecção do plano de voo para cada etapa a ser voada. O plano de voo é um formulário contendo os dados do avião e a rota a ser voada, com o nível de voo proposto, velocidade e outras informações que devem ser entregues à autoridade aeronáutica antes da decolagem, para a devida aprovação. Também era responsabilidade do copiloto efetuar os cálculos de peso e balanceamento, somando o peso do avião vazio, mais os passageiros, bagagens e carga, além do peso do combustível. Com estes dados preenche-se uma ficha e consulta-se tabelas para fazer o cálculo de performance, determinando assim o ajuste de velocidades para a decolagem. Como copiloto, eu era o último a embarcar, pois alguém tinha que fechar a porta do avião, e não havendo comissário de bordo, era eu quem distribuía a caixinha de lanche aos passageiros. Só havia um voo com pernoite, e era em Florianópolis, os demais eram programações bate-volta sempre saindo e chegando de Porto Alegre. Carregava uma pasta que continha os apetrechos para o voo tais como calculadora, caneta, mapas, régua, "computador de voo" e um kit para pernoite não programado, constando de camisa, meias e cueca extra. Efetuávamos escalas em Bagé, Passo Fundo, Criciúma, Lages e tantas outras pistas, que muitas vezes eram de terra batida. O serviço de bordo era um lanchinho frio que muitas vezes conseguíamos aquecer durante as paradas. Não havendo sistema de pressurização no Bandeirante, voávamos baixo apreciando a paisagem. Ainda hoje, muitos dos comandantes com quem voei naquela época continuam sendo colegas que encontro em aeroportos e pernoites, quando então relembramos os bons tempos de Rio Sul. Este período foi muito bom para adquirir experiência, não só em relação à pilotagem, mas também em relação ao trabalho em equipe em uma empresa de aviação, me preparando para a etapa seguinte. Em junho de 85, encerrei minha passagem pela Rio Sul. Um sentimento de alegria por iniciar uma nova fase, agora na Varig, e uma tristeza por deixar Porto Alegre, cidade em que havia passado os últimos 2 anos, entre idas e vindas. Coloquei minhas coisas no fusquinha e peguei a estrada de volta para São Paulo, virando assim, mais uma página na minha carreira.