terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Os Pegadores


Na aviação, assim como em outras atividades, há muita paquera entre colegas de profissão. Pilotos, comissários falam a mesma língua, possuem interesses e estilos de vida parecidos e muitas vezes, ao saírem para uma programação de voo, ficam juntos por dias, o que pode tornar a ocasião propícia para flertes. Muitos destes acabaram em casamentos e muitos casamentos acabaram por causa de flertes. Há os fieis, há os sossegados e há os que passam a vida em busca de emoções, não se cansando de novas conquistas e relacionamentos. Estes são os “pegadores”! Para eles, quanto mais difícil a conquista, maior o desafio, uma boa oportunidade para exercitar o poder de sedução e usar todas as táticas disponíveis.

Quando eu voava o Electra na Ponte Aérea, conheci um dos maiores pegadores da Varig. Já naquela época, ele, que como eu também era copiloto, tinha fama de se relacionar com as mais badaladas modelos e atrizes do eixo Rio-São Paulo. Com vinte e poucos anos, cabelos louros, óculos escuros de grife e um arsenal de cantadas na ponta da língua, ele sempre convidava e levava mulheres bonitas para fazer a viagem na cabine. Sua promoção a Comandante só aumentou a lista de vítimas de sua lábia. Hoje em dia, já na casa dos cinquenta anos, ele continua o mesmo, ou quase o mesmo, já que os óculos escuros se revezam com os de leitura, e a pele mostra os sinais do tempo.

Em 88 eu conheci o comandante Mateus, que não tinha nada do biótipo de galã. Embora fosse baixinho e careca aos 40 anos, era um excelente “caçador”, e com uma conversa envolvente despertava a atenção da mulherada. É bem verdade que ele era adepto do lema “para treinar qualquer bola serve”, o que facilitava sua busca incessante por uma aventura. Um dia o Mateus me perguntou se eu gostaria de me tornar um “pegador”. – Claro que sim! - respondi animado. Para isso ele me aconselhou a comprar umas roupas de grife, me desfazer de certas marcas que não davam status, e jamais usar qualquer peça de roupa do uniforme quando não estivesse trabalhando. Diante de meu espanto em relação à metodologia ele me perguntava: você quer ou não quer se dar bem com a mulherada? Segui os conselhos e não é que deu certo? Por alguns meses choveu na minha horta até que eu conheci a minha mulher, quando então passei para o time dos “camisolões”. Desde então sou membro da JACA nnt, ou seja, a associação Jamais Alguém Comeu Alguém, nem nunca tentou!

Atualmente gosto de conversar com os copilotos que contam suas estórias de conquistas, que hoje em dia, em épocas de redes sociais e sites de relacionamentos, está cada vez mais fácil. Um colega me contou que conheceu e saiu com uma “coroa” em Porto Alegre. Das páginas da internet para um barzinho e de lá para o motel. Disse que a tal “coroa” tinha um corpo legal apesar da idade, que era bonita e o sexo tinha sido bom. Tive que rir quando ele disse a idade da coroa: 32 anos!

Outro colega “das antigas”, que além de comandante é também psicólogo, me contou que quando criança tinha o desejo da invisibilidade; poder circular livre e principalmente entrar no vestiário das meninas era sua fantasia. Os anos se passaram, ele virou adulto e ele percebeu que somente agora, com quase cinquenta anos, é que se tornou invisível. Às vezes ele tem a impressão de que as mulheres não olham mais para ele, e está finalmente se sentindo invisível! Ele diz que veste uma camisa bacana, penteia o cabelo e arma seu melhor sorriso, mas não funciona!

 Dia desses ele estava pernoitando em Buenos Aires e uma chance se apresentou. A tripulação havia combinado de se encontrar na recepção do hotel para saírem para jantar, mas no horário combinado ninguém apareceu, exceto uma das comissárias. Assim sendo, saíram os dois para jantar. A comissária era jovem e bonita e ele ficou bem animado, afinal, um jantar com uma taça de vinho poderia trazer surpresas. Caminhando por calçadas estreitas em direção ao restaurante ele instintivamente trocou de posição com a garota de forma que ela ficasse do lado “seguro” da calçada. Neste momento ela se vira para ele e diz: - comandante, o senhor fez igualzinho ao meu pai! Depois, durante o jantar, mais um comentário do nosso colega e a garota diz a ele que o pai dela costuma falar exatamente a mesma coisa. Não adianta, ele definitivamente está se sentindo invisível!

Quem pensa que entre os tripulantes são os pilotos que se “dão bem”, está enganado! Quem acaba tendo as melhores chances com as comissárias são os próprios comissários, pois eles trabalham juntos, sentam lado a lado e a todo momento estão se esbarrando durante o serviço de bordo.  Durante o vôo é importante que eles se entrosem bem, e esta aproximação cria um clima favorável. Já os pilotos ficam cada vez mais confinados ao ambiente da cabine de comando, presos, enjaulados pelas regras de segurança das empresas que cada vez mais restringem ao mínimo a abertura da porta do cockpit.

As pegadoras estão também por aí! Algumas interessadas em aventura e outras em um relacionamento mais duradouro. Há também aquelas interessadas no chamado “Cop-Prev”, “agarre seu copiloto hoje que ele será seu comandante de amanhã”!




sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Natureza em fúria, a continuação


Continuando...

No dia 26 de dezembro de 2004, um Tsunami devastou vários países na região da Ásia e Oceania, causando a morte de mais de 285 mil pessoas. A Varig novamente se viu na condição de ser a única empresa brasileira de aviação com estrutura e disposta a ajudar os milhares de necessitados. No dia 3 de janeiro um DC-10 cargueiro decolou carregando 50 toneladas de mantimentos com destino ao Sri Lanka. 

Em 2006 a “velha” Varig estava nos seus últimos dias, mas ainda havia fôlego para ajuda. Através do Ministério das Relações Exteriores, dois voos de MD-11 foram organizados para trazer brasileiros que estavam no Líbano, cuja situação política era instável em função de conflitos entre grupos xiitas do hezbollah e o exército israelense. Os aviões pousaram em Adana, na Turquia, e só podiam ficar no aeroporto por um curto período.

A tripulação efetuou uma programação impensável em condições normais: bate-volta numa jornada de 30 horas seguidas! O MD-11 possuia o “sarcófago” (como era conhecido o local de descanso com camas para os tripulantes), e em esquema de revezamento, dois comandantes, dois copilotos e doze comissários encararam esta maratona. Os brasileiros regressando à pátria ficaram muito agradecidos e até orgulhosos da Varig, mas houve também uns poucos que reclamaram do serviço de bordo, que com a crise da Varig, estava bastante deficitário e bem diferente do padrão usual, por haver grande falta de materiais. Um colega contou que teve que ouvir de uma senhora, viajando de graça, que do jeito que estava sendo mal tratada, teria sido melhor ficar no Líbano! De volta ao Brasil, as demais empresas aéreas brasileiras (Tam, Gol e BRA) também ajudaram no transporte dos passageiros para suas cidades, mas neste caso, em voos regulares e sujeitos à  disponibilidade de assentos.

Os serviços humanitários que a Varig prestou ao longo de sua estória, no Brasil e no Exterior, não se restringiram a transportar mantimentos em seus porões e passageiros de volta ao Brasil. Quando em 2006 houve o acidente da Gol com o Legacy,  a Varig disponibilizou, sem custos, uma equipe de vinte mecânicos para operar cinco toneladas de equipamentos, o chamado “recovery kit”, que são guindastes, macacos hidráulicos, colchões pneumáticos e ferramentas especializadas para remoção de partes de aeronaves sem que as danifiquem. A importância deste kit é para que haja o menor dano possível às partes das aeronaves para que sejam utilizadas na posterior investigação do acidente. Na América do Sul, somente a Varig estava homologada a utilizar e trabalhar com este recurso. Além disso, até a um tempo atrás, a Varig, através da Fundação Rubem Berta, possuía um serviço para trazer do exterior remédios que não havia no Brasil. O serviço estava disponível a qualquer pessoa, sendo que o custo do medicamento, evidentemente, era por conta do interessado. 

Naturalmente, a FAB sempre esteve presente em ações humanitárias, sendo esta uma das atribuições das forças armadas, mas hoje, sem a Varig, ela definitivamente perdeu sua ajudante e parceira neste tipo de missão.


segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Natureza em fúria e outras ocorrências

Para manter seus voos no horário, as empresas aéreas enfrentam uma série de variáveis no seu dia a dia, sendo as mais comuns, os problemas meteorológicos e de manutenção das aeronaves. Há problemas relacionados ao gerenciamento do tráfego aéreo, infraestrutura dos aeroportos e uma série de outros fatores que exige um planejamento rápido e hábil, pois a malha de voos é um grande quebra cabeças e um avião parado ou atrasado pode afetar os demais voos. Outro aspecto que ocasionalmente dá um nó na malha aérea de uma empresa são as catástrofes naturais, tais como enchentes, nevascas, terremotos, cinzas vulcânicas e tsunamis.  Por fim, de tempos em tempos surgem guerras civis e conflitos entre países que fazem com que as empresas tenham que alterar completamente seu planejamento. A “velha” Varig, em seus 79 anos de existência, acompanhou vários destes episódios, disponibilizando seus porões de carga para o transporte de mantimentos e ajuda às vítimas de catástrofes naturais, bem como deslocou aeronaves para trazer de volta brasileiros que estavam no exterior.

Vejamos alguns episódios:

Em setembro de 1985 um terremoto de 8.1 graus na escala Richter atingiu a Cidade do México. A terra tremeu por pouco mais de dois minutos, suficiente para causar mortes e destruição, tendo sido uma das maiores catástrofes naturais do México. Havia uma tripulação da Varig pernoitando na Cidade do México, onde, além do susto, nada aconteceu, pois o hotel era resistente a abalos sísmicos. Naquela noite, apesar do caos na cidade, a tripulação embarcou para um voo lotado de volta ao Brasil. Nos dias seguintes a Varig remanejou sua malha para, com o maior avião da frota - na época o DC-10 - efetuar voos extras para o México. O avião ia vazio e repatriava os brasileiros.

Nestas localidades sujeitas a terremotos, pequenos tremores acontecem todos os dias, e os tripulantes já estão acostumados a observar a água tremer na garrafa ou o lustre dar uma pequena balançada. Periodicamente os hotéis efetuam treinamento simulado para evacuação em caso de tremores.

Dez anos depois, em janeiro de 1995, o Japão sentiu a força da natureza, um terremoto de 7.2 graus na escala Richter destruiu a cidade de Kobe. Mais uma vez a Varig se viu na obrigação de ajudar e deslocou Jumbos 747, que normalmente fariam a rota para Paris, para atender a demanda de brasileiros que lá estavam. Mais uma vez o avião ia vazio e voltava lotado.

Em dezembro de 1999 a região de Caracas e Maiquetía (cidade no litoral da Venezuela onde está o aeroporto internacional que atende à cidade de Caracas) foi acometida pelas piores chuvas em cem anos. Agravado pelo desmatamento irregular e pela ocupação desordenada das encostas, a terra encharcada e saturada desceu as montanhas. Houve deslizamentos ao longo de 80 quilômetros do litoral, sendo que na região de Maiquetía, nada menos que vinte quilômetros de terra deslizaram montanha a baixo atingindo a população e causando destruição generalizada. Os números oficiais apontaram para dez mil mortos, mas extra oficialmente este número pode ter sido até cinco vezes maior!

Hospedada no Hotel Sheraton Maiquetía, estava a tripulação do comandante Traverso, que havia chegado dias antes num Boeing 767 e já observava os estragos que as chuvas vinham causando.  Como o hotel estava localizado no alto de uma pequena colina, não foi atingido pela terra que desceu carregando pedras e tudo mais que encontrou pela frente. Os tripulantes, assim como os demais hospedes, ficaram dias presos nas dependências do hotel com dificuldade de comunicação, racionamento de comida, água e luz, pois os acessos estavam todos bloqueados e o caos era total.

O dia estava raiando quando o comandante Traverso acordou com um barulho de helicóptero que parecia voar bem próximo à sua janela. Curioso, foi ver o que estava acontecendo e viu que uma operação de resgate estava sendo realizada, afinal, o hotel estava completamente cercado de terra, lama e água. Naquele momento o helicóptero dos Fuzileiros da Marinha Americana, que pousava no jardim do hotel, estava resgatando apenas aqueles que já estavam previamente autorizados. O Embaixador Brasileiro na Venezuela teve que intervir para agilizar o resgate dos tripulantes, que com o mínimo de pertences possível, embarcaram no helicóptero militar. Havia uma verdadeira “ponte aérea” do hotel para o aeroporto de Maiquetía, que tinha se transformado numa base de operações para ajuda e resgate das vítimas. De lá o gerente local da Varig disponibilizou um transporte para subir a serra em direção a Caracas, que não fora afetada pelos deslizamentos de terra. A viagem foi uma verdadeira epopeia, pois depois de enfrentar uma fila de duas horas para encher o tanque da condução, ainda amargaram mais quatro horas para chegar a um hotel em Caracas.

No dia seguinte a Varig deslocou um avião para resgatar a tripulação e os passageiros que precisavam regressar ao Brasil, mas como Maiquetía ainda estava interditada para as operações das empresas aéreas, o 767 pousou em Valencia, uma cidade a 170 quilômetros de Caracas. Os tripulantes, ainda com a mesma roupa que estavam no momento da evacuação, voltaram como passageiros, até porque, estavam exaustos e sem qualquer condição de trabalhar. À medida que a situação na região foi melhorando, a Varig continuou efetuando voos extras para resgatar os brasileiros.

Continua na semana que vem, aguardem...

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

O pêssego de ouro

Durante o tempo em que o avião fica parado no pátio do aeroporto, entre um pouso e uma decolagem, recebemos a “visita” de várias equipes. A primeira é a do pessoal do despacho de passageiros, que logo que a porta se abre faz um contato com os comissários passando eventuais informações de voos de conexão e confirmando a necessidade de atendimento especial a algum passageiro. Outro contato importante é do pessoal da manutenção com os pilotos. Se houver alguma irregularidade com o avião os mecânicos já podem trabalhar na solução antes mesmo que os passageiros desembarquem.


Há a equipe da limpeza que entra munida de sacos de lixo, aspirador de pó e outros apetrechos de trabalho para, no menor tempo possível, deixar o interior do avião em condições de receber os passageiros. Com relação a esta turma, quando o avião fica parado por um tempo de duas ou mais horas, principalmente durante a madrugada, a limpeza é caprichada, é quase uma faxina! Outra equipe que começa a trabalhar antes mesmo do desembarque terminar é o pessoal de “catering”, que retira e abastece o avião com o serviço de bordo. Há também um funcionário encarregado pelo embarque de cargas restritas que se dirige à cabine de comando para apresentar a documentação de uma eventual carga e solicitar a aprovação do comandante.
Representantes de órgãos reguladores e fiscalizadores (Anac e Anvisa) também podem eventualmente aparecer no avião durante o curto período de trânsito. Os fiscais da Anac verificam a documentação dos tripulantes e a existência a bordo de uma série de documentos e equipamentos. A equipe da Anvisa verifica a limpeza geral da cabine de passageiros, as “galleys” e toaletes e conferem quando foi realizada a última lavagem e higienização dos tanques de água do avião. Alguns inspetores exigem que os cabeçotes das poltronas sejam trocados, o que dá trabalho e toma tempo. Talvez seja por isso que o pessoal da vigilância sanitária seja carinhosamente chamado de “implicância sanitária”. Implicância à parte, o trabalho deles é importante, pois obriga as empresas a manter um padrão mínimo de limpeza e higiene.
Nos voos internacionais os tripulantes devem estar atentos às normas dos órgãos de saúde e agricultura dos países de destino. A tripulação de comissários deve pulverizar a cabine com um produto especial e guardar os sprays vazios para serem entregues às autoridades sanitárias como prova de que foram usados. O lixo com alimento deve estar corretamente acondicionado e lacrado, e os anúncios relativos às restrições a entrada no país de determinados produtos devem ser feitos aos passageiros. Alguns países são menos rigorosos quanto à entrada de produtos agrícolas e animais, mas a maioria possui um controle rigoroso e eficiente. Carnes, queijos, flores, sementes, derivados de leite, mel, medicamentos são itens proibidos aos passageiros na chegada aos países. Nos voos para o exterior a tripulação já sabe: nada de tentar entrar com frutas, queijos ou outros artigos restritos.
Certa vez efetuei um voo para Santiago do Chile, onde a fiscalização é bem rigorosa, e pude constatar o rigor e o custo de um descuido. Após passar pelo controle de passaporte e pegar as malas na esteira de bagagens, passageiros e tripulantes devem passar seus pertences pelo raio X que é examinado pelos agentes da secretaria de agricultura e entregar a declaração preenchida de que não carregam artigos proibidos. Naquele dia os agentes observaram algo suspeito na bagagem de uma das comissárias do voo e perguntaram se havia algum alimento com ela. Ela respondeu que havia apenas uma barra de chocolate que havia comprado no free shop, o que é permitido. Para a surpresa dos demais tripulantes e infelicidade da comissária, o agente retirou da mala dela um pêssego embrulhado em papel alumínio!
Coitada da comissária. Aquele pêssego estava esquecido no seu saco de roupas desde o voo anterior, quando ela levou para o hotel em outro pernoite e lá esqueceu. Ela foi levada para uma salinha para uma conversa com o supervisor que decidiria se uma multa seria aplicada ou não. Depois de muita conversa veio o veredicto: multa! Não teve desculpa, pois no entender do supervisor os tripulantes tem obrigação de saber as regras, e além de declarar que não possuía qualquer fruta consigo, quando indagada ela reafirmou não estar carregando nada. A multa teria que ser paga na hora, em pesos chilenos.
Ela ficou arrasada, pois realmente não sabia que aquele pêssego estava esquecido nas suas coisas, além de ter causado uma demora de uma hora para sairmos do aeroporto para o hotel, o que só foi acontecer às quatro horas da manhã.
O valor da multa?  R$ 475,00

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

TCAS sobre Uberlândia


 Aerovias são rotas pré-determinadas que, embora possam ter quase 80 quilômetros de largura, a menos que haja necessidade de desvios meteorológicos, os aviões devem voar no seu eixo. Até a uns anos atrás, duas aeronaves voando na mesma aerovia, no mesmo nível de voo e em sentidos opostos (situação que não deve ocorrer), dificilmente iriam colidir uma com a outra, pois os sistemas de navegação não davam uma precisão absoluta. A partir do momento em que o GPS passou a integrar os sistemas de navegação dos aviões, a precisão nas navegações aéreas passou a ser tão grande que o eixo de uma aerovia é exatamente o mesmo para todos os aviões, com uma margem de erro mínima. Quando em voo observamos um avião em sentido contrário, em um nível acima ou abaixo e também no eixo da aerovia, percebemos que os aviões passam “nariz com nariz”. Com uma maior precisão dos sistemas de navegação as aerovias podem ser mais estreitas, e mais aerovias podem ser criadas. Por isso tudo, o TCAS torna-se um equipamento fundamental à segurança da aviação.
Há uns anos atrás, fiz um voo de Brasília para São Paulo, uma etapa curta que eu costumo chamar de “caminho da roça” em que o TCAS mostrou sua importância.  Após deixar Brasília para trás, a rota passa perto de Caldas Novas, sobrevoa Uberlândia, Uberaba, passa na lateral de Franca, Ribeirão Preto e na descida há o sobrevoo de Araraquara, Campinas, Jundiaí e finalmente o pouso em São Paulo. Uma bela paisagem, com boa cobertura de radar, fácil comunicação com o controle de tráfego aéreo e o melhor de tudo, geralmente após pousar em São Paulo a tripulação está dispensada. Recém havia passado das oito da manhã e voávamos a 38.000 pés, um pouco acima de uma extensa camada de nuvens e próximos do sobrevoo de Uberlândia. Neste momento surgiu na tela de navegação a informação de que havia um avião se aproximando em sentido contrário e no mesmo nível de voo. Este tipo de situação acontece muito rápido e logo o TCAS já estava emitindo o aviso sonoro de “TRAFIC, TRAFIC”! O copiloto e eu, olhando para o horizonte a nossa frente, tentamos visualizar o avião que estava cada vez mais próximo.
Pelas regras de tráfego aéreo, caso duas aeronaves estejam voando uma de frente para a outra, em rota de colisão, ambas devem alterar seus rumos para a direita, assim, enquanto na frequência-rádio o controle de tráfego aéreo fazia chamadas ao avião, que naquele instante era uma ameaça ao nosso, decidi efetuar uma curva à direita. O controlador de tráfego aéreo, através da tela de seu radar, possui não apenas uma melhor visualização da posição dos aviões, mas também é capaz de projetar, à frente, o deslocamento dos voos. A outra aeronave não respondia à chamada do controle de tráfego aéreo, que então nos instruiu a efetuar uma curva imediata à esquerda, exatamente o oposto do que estávamos fazendo!  A distância entre os dois aviões estava diminuindo quando o TCAS entrou no modo de “resolução”, nos instruindo a subir imediatamente: CLIMB, CLIMB!  Desliguei o piloto automático, aumentei a potência dos motores, iniciei uma subida e liguei o luminoso de apertar os cintos de segurança, afinal de contas, o serviço de bordo estava em pleno andamento na cabine de passageiros. Meio minuto depois, quinhentos pés acima da nossa altitude original e após passar bem perto da outra aeronave, veio o esperado aviso sonoro de “CLEAR OF CONFLICT”.
Passado o susto, descobrimos que o avião que vinha de encontro a nós não estava em rumo exatamente oposto ao nosso, mas quase de frente, em uma aerovia que cruzava a nossa e seguia para Goiânia. Aerovias se cruzam a todo instante, mas somente em espaços aéreos onde os aviões voam orientados pelo controle de tráfego aéreo. Retornamos ao nível de voo original, desligamos o luminoso de apertar os cintos e seguimos em frente. Informamos ao controle de tráfego aéreo que faríamos um relatório a respeito do ocorrido, assim como o comandante do outro avião, que também teve que alterar sua altitude, deve ter feito o seu. Estes relatórios vão para o setor de segurança de voo das empresas e também para as autoridades aeronáuticas que iniciam uma investigação do caso. Além de alimentar as estatísticas, estes relatórios devem gerar procedimentos mais rigorosos e seguros para as empresas e para o sistema de controle de tráfego aéreo.
Nas reciclagens anuais em simuladores de voos os pilotos treinam estas manobras evasivas para evitar uma possível colisão, é uma manobra tranquila, mas quando acontece de verdade é uma sensação desagradável. Eu já achava o TCAS um equipamento extremamente importante, mas depois deste episódio passei a considerá-lo fundamental para a segurança da aviação, um equipamento tão importante para o avião quanto asas ou motores. Se me perguntarem se eu prefiro voar com uma falha hidráulica, elétrica, de motor, ou uma falha no TCAS, acho que eu prefiro voar com o TCAS em ordem e gerenciar a outra pane.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

O TCAS e uma colisão em pleno voo

O céu é muito grande, uma colisão entre duas aeronaves é algo bastante improvável, mas infelizmente muitos acidentes já ocorreram desta maneira. A indústria aeronáutica desenvolveu o TCAS, sigla para traffic collision avoidance system, ou seja, um sistema para evitar colisão entre tráfegos e a partir da década de 90 as empresas aéreas equiparam suas aeronaves com este sistema. 

O TCAS trabalha acoplado ao transponder, que é o equipamento responsável pelo envio de sinais de posição ao controle de tráfego aéreo, assim o TCAS das aeronaves em determinada área “conversam entre si”, mostrando aos pilotos a posição e a altitude de cada um dos aviões nas proximidades. Caso dois aviões, ou tráfegos, como se diz no jargão da aviação, voando em uma rota de possível colisão se aproximarem demais um do outro (a menos de 40 segundos de um choque), no painel de navegação dos pilotos aparecerá um símbolo amarelo e um aviso sonoro soará na cabine: TRAFFIC, TRAFFIC! Os pilotos devem olhar para fora em busca de uma visualização do avião que se aproxima enquanto monitoram a situação através da tela de navegação e contatam o órgão de controle de tráfego aéreo. Se os dois aviões (ou mais, pois o TCAS pode alertar para mais de um tráfego ao mesmo tempo) se aproximarem a menos de 20 segundos de uma possível colisão o símbolo no painel de navegação torna vermelho, e o alerta sonoro na cabine deixa de ser um aviso e passa a ser uma instrução que os pilotos devem seguir imediatamente! O aviso será para que o avião suba ou desça, com maior ou menor intensidade: CLIMB, CLIMB! INCREASE DESCENT, INCREASE DESCENT! Se um avião é instruído a descer, o outro será instruído a subir. Passado o risco de colisão o TCAS emite um aviso sonoro de CLEAR OF CONFLICT, e os pilotos suspiram aliviados.

No primeiro dia de julho de 2002 aconteceu um acidente terrível na divisa da Alemanha com a Suíça. Um Tupolev-154 da Bashkirian Airlines voando de Moscou para Barcelona e um Boeing 757 cargueiro da DHL com apenas os pilotos a bordo, voando de Bruxelas para o Bahrein, estavam em rota de colisão quando o controlador de tráfego aéreo (na ocasião, efetuado pela Suiça), cinquenta segundos antes do acidente, emitiu instruções aos pilotos russos para  efetuar uma descida e assim evitar o tráfego do DHL . Acontece que em seguida o TCAS de ambas as aeronaves passou a emitir instruções aos pilotos para que efetuassem manobras evasivas em sentidos opostos. O TCAS do DHL emitia instruções para os pilotos descerem, e o TCAS do avião russo para que eles subissem. Os pilotos russos estavam com duas instruções contraditórias, a do controle de tráfego aéreo e a do TCAS! A menos de 20 segundos para uma possível colisão, não há tempo para análise da situação e os pilotos russos seguiram as instruções do controle de tráfego aéreo, o que resultou no choque. O acidente causou a morte de 71 pessoas, das quais 49 eram crianças, a maioria, russa.

As investigações descobriram que havia um relatório de uma semana antes do acidente sobre falhas do radar suíço com solicitações de reparos para atender os padrões do Eurocontrol, a agência européia responsável pelo espaço aéreo em toda a região. Além disso, no momento do acidente, a empresa que efetuava o controle de tráfego aéreo mantinha apenas um operador na central de controle em Zurique, o segundo operador estava ausente da sala se controle. Por fim, em caso de conflito de instruções, os pilotos russos estavam orientados a seguir as instruções do controle de tráfego aéreo.
Depois deste acidente todas as empresas aéreas passaram a enfatizar a seus pilotos para que além de seguirem imediatamente as instruções do TCAS,  em caso de conflito entre o TCAS e o controle de tráfego aéreo, seguir sempre o equipamento de bordo. Este acidente teve outro desdobramento: dois anos, em 2004, Vitaly Kaloyev, que perdera a mulher e dois filhos no acidente, viajou para a Suiça e tocou a campainha da casa de Peter Nielsen, o controlador de tráfego aéreo naquele fatídico dia. Assim que a porta abriu, ele disparou sua arma e matou quem ele julgava o culpado pelo acidente. Vital foi preso e em outubro de 2005 foi condenado a oito anos de prisão, que, no entanto, foi reduzida para cinco anos e três meses, pois a Corte suíça reconheceu que no momento dos fatos a capacidade de discernimento do acusado estava profundamente reduzida. O governo russo insistiu na extradição de seu cidadão e finalmente em novembro de 2007 as autoridades suíças o libertaram.
   





segunda-feira, 26 de setembro de 2011

D.M.


O corpo humano é uma máquina fantástica, não para, está sempre trabalhando! Mas de tempos e tempos ele avisa que não está legal, e trabalhar nestas condições pode ser um sério golpe. Viajar de avião, sujeito ao ar condicionado e pressurização por longos períodos, se deslocando de uma região para outra com climas completamente diferentes, só tende a agravar qualquer mal estar físico, por isso nestas horas os tripulantes podem entrar de dispensa médica, a famosa DM. Sair para voar com um simples resfriado pode ser uma péssima decisão, pois este resfriado tende a se transformar em sinusite, e aí o que poderia ser solucionado em poucos dias necessitará mais tempo parado e medicamentos mais fortes, tais como antibióticos. Além disso, voar com as vias respiratórias congestionadas não só causa desconforto em função da pressurização como ainda há o risco de perfuração dos tímpanos em caso de uma despressurização do avião. Febre a 35 mil pés de altitude é um verdadeiro tormento e até um risco para o voo se quem está com febre for um dos tripulantes.
O procedimento para entrar de DM bem é simples, basta avisar a escala de voos, e posteriormente, munido de um atestado médico, comparecer ao serviço médico da empresa para ser examinado, e a dispensa validada. Mas se entrar de dispensa médica é simples, retornar ao voo pode ser um pouco mais complicado, pois a liberação para o tripulante voltar ao trabalho fica a critério do serviço médico da empresa, que pode prolongar a DM, e até exigir exames médicos complementares. A partir do décimo quinto dia consecutivo de DM, o tripulante entra de licença pelo INSS, e neste caso o retorno ao trabalho fica mais difícil, com uma consequente redução nos rendimentos. Na “velha Varig” não era raro ocorrer um acordo entre tripulante, escala, serviço médico e chefia de pilotos, em que após um período de 13 dias de DM, o tripulante era liberado (mas ficava dispensado pela escala de voos), para dois ou três dias depois entrar em nova DM.
A maioria dos tripulantes, em especial os pilotos, possui um índice muito baixo de dispensas médicas. Outros são assíduos no serviço médico; problemas crônicos de coluna, gripes, rinite, tendinite e outros “ites” estão sempre à espreita. Há as dispensas por conta de fraturas e necessidades de cirurgias, acompanhadas atentamente pelo serviço médico da empresa, inclusive para evitar fraudes. Há ainda os problemas emocionais que também costumam afastar os tripulantes de suas atividades.
Há uns anos atrás eu tive que recorrer ao serviço médico para uma dispensa por conta de estresse. Minha filha estava com três anos de idade e numa cadeira de rodas, já que estava com uma perna quebrada, e minha mulher estava nos últimos dias de gravidez do segundo filho. Aflito com esta situação e apreensivo quanto se eu estaria por perto no dia ”D”, um dia eu acordava com febre e no outro com certo desarranjo intestinal. Fui ao serviço médico e conversando com a Doutora (especializada em medicina da aviação) ela me deu uma semana de DM. Com a cabeça tranquila o corpo ficou bom, e aquela semana coincidiu com o nascimento do meu filho.
Embora eu saiba que não se deve voar doente, a verdade é que eu não gosto de pedir DM! Quero sempre acreditar que a tosse é só uma leve irritação, e que o mal estar da noite anterior foi algo sem importância. Além disso, eu gosto do trabalho, e fico um pouco frustrado em não cumprir minha escala de voos. Por fim há o inevitável prejuízo financeiro ao deixar de voar. Voar doente é ruim, perder horas de voo também. A empresa não deseja que seus tripulantes fiquem saindo de voo por motivo de dispensa médica, e às vezes torna o procedimento para a volta ao voo tão demorado que o tripulante pensa duas vezes antes de pedir DM. Por outro lado a empresa sabe que tripulante voando sem condições adequadas de saúde, além de riscos para a segurança do voo, pode trazer mais transtorno para a “malha de voo” do que se tivesse pedido dispensa. Para a escala de voos, pior que o tripulante ficar em casa é ele se sentir mal em algum hotel e não poder assumir a programação.
Ficar doente fora de casa é uma das piores coisas que pode acontecer a um tripulante. A Varig possuía em cada uma das cidades onde os tripulantes pernoitavam um médico que em caso de necessidade nos atendia. O problema é que após examinados e medicados, podíamos ser impedidos de voltar para casa por um ou dois dias. Ficar doente em um quarto de hotel não ajuda em nada, por isso muitos já assumiram voo com a finalidade de voltar para casa, em condições de saúde precárias.
Numa ocasião, há muitos anos, eu tinha um voo para Recife, mas não estava bem, estava bem gripado. Não queria dar DM, pois era véspera do Ano Novo e poderia parecer suspeito, além do mais, o remédio que eu havia tomado tinha feito efeito e após algumas horas eu estava me sentindo melhor. No dia seguinte voltei a me sentir mal, mas aí era tarde. Conversei com o comandante do voo que disse que me apoiaria tanto se eu pedisse dispensa quanto se eu preferisse seguir no voo. Mais remédios, repouso e segui na programação. Foi péssimo, decolamos de Recife na virada do ano, e após algumas escalas pousamos em Brasília ao amanhecer. Passei o primeiro dia do ano à base de Tylenol e cama! Dia dois de janeiro eu cheguei em casa, abatido e profundamente arrependido de ter sido teimoso e ter saído para voar sem condições.  Por isso um conselho: não vá voar se sua saúde não estiver legal!


sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Altos e baixos


Ao trabalhar em empresas aéreas podemos ter passagens a preços fantásticos, sendo que, exceto pela taxa de embarque, que não há como fugir, uma vez ao ano a passagem sai de graça. Mas estas passagens são sujeitas a disponibilidade de assentos, portanto, nunca se sabe que tipo de acomodação vamos conseguir, e mesmo se vamos conseguir! Atualmente não há voos vazios, então...
     Nosso destino final era Munique, com conexão em Londres, voando de British Airways. Nos dias que antecederam o nosso embarque, minha mulher vinha acessando o sistema de reservas da empresa para verificar a disponibilidade de assentos. A previsão era de voo cheio, mas ainda havia alguns assentos livres. No dia da viagem o sistema indicava haver apenas três assentos livres, sendo dois na executiva e um na primeira classe. Preparados para tudo, inclusive para não conseguir embarcar e ter que voltar para casa, nos despedimos dos filhos e seguimos para o aeroporto.
    No balcão de ckeck-in soubemos que o voo estava completamente lotado, e que além de nós, havia outros funcionários na mesma situação. Quando há vários funcionários com “staff travel ticket”, a prioridade costuma ser daquele que está há mais tempo na empresa, e no nosso caso, felizmente, éramos o número um na lista. No dia anterior nem todos conseguiram embarcar, por outro lado o comandante do voo ainda poderia liberar “jump seats”, nossa sorte ainda não estava selada! Viajar num “jump seat”, que são aqueles assentos usados pelos tripulantes, não é fácil. Eles não reclinam, e não há um serviço de bordo, fica-se dependendo da boa vontade da tripulação.
 De posse de um cartão de embarque “standby” seguimos para a imigração e para o portão de embarque. A cada instante vislumbrávamos uma possibilidade: um up-grade para a primeira classe, viajar confortavelmente na executiva, amargar um “jump seat”, ou voltar para casa. Os passageiros estavam embarcando e tivemos a boa notícia de que havia dois assentos na executiva. Instantes depois, uma mudança: havia um ministro, com passagem da Tam, que vinha correndo para embarcar no British! Finalmente nosso embarque foi autorizado, viajaríamos em “jump seats”!  A dez metros para entrar no avião fomos surpreendidos com a última alteração e recebemos dois cartões de embarque com assentos na classe executiva! Assentos separados é verdade, mas isto foi um detalhe fácil de ser solucionado e logo estávamos sentados lado a lado. Os quatro “jump seats” foram ocupados por outros colegas da empresa.
Embora tenha havido um pequeno atraso,vinte minutos não é nada para um voo tão longo, a viagem foi ótima. O Jumbo 747-400 é um avião incrível, e a configuração da British Airways é primorosa. Champagne no embarque, vinho na refeição, um bom filminho e capotei!

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Férias 2011

Estou de férias e amanhã vou fazer uma viagem. Vou para Munique e Praga, na República Checa. Vou de British Airways e regressarei dia 15 de setembro com mais uma estória para o Blog. É isso, até lá!

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Ponte Aérea, uniforme e chinelo de dedo.

Era um voo da Ponte Aérea, ainda na época do Electra. Já era noite e durante o embarque a porta da cabine de comando permanecia aberta enquanto os tripulantes efetuavam os preparativos para a partida e decolagem. Um dos passageiros, o Jô Soares, que além de assíduo na Ponte Aérea era também um grande entusiasta do Electra, adentrou a cabine de comando e após saudar a tripulação perguntou ao comandante qual era a hora prevista de chegada em São Paulo. O comandante disse que seria por volta de dez e meia a onze horas da noite. Diante da imprecisão da informação, Jô Soares comentou: - Dez e meia, onze horas...Não está muito preciso este estimado. O comandante Cezar foi rápido, e disse que a chegada em São Paulo estava igual ao programa do Jô que começava onze meia, meia noite e às vezes até mais tarde.

Após acordar em Salvador antes do nascer do sol, chegamos em Foz do Iguaçu por volta de meio dia. Chegamos famintos e ao efetuar o check-in no hotel não perdemos tempo para ir a uma churrascaria que havia do outro lado da estrada. Para não perder tempo eu e o copiloto tiramos as divisas da camisa de voo e deixamos o quepe e a mala na recepção do hotel. Era uma típica churrascaria de beira de estrada: dois ônibus estacionados no pátio, vários turistas brasileiros e argentinos e um cantor com um repertório duvidoso. Sentamos numa mesa de canto e desfrutamos de um belo churrasco. Na hora de pedir a conta veio a surpresa: O garçom, nos julgando pelos nossos uniformes (sapato preto, calça azul marinho e camisa branca), achou que éramos os motoristas dos ônibus de excursão, e disse que o almoço era uma cortesia, que éramos da casa. Agradecemos e saímos “de fininho”.
Uniforme de piloto é assim; quando completo, ficamos elegantes, mas em compensação, sem quepe e faixas douradas podemos facilmente passar por motoristas, zeladores ou porteiros. Há uns anos atrás, após chegar em casa vindo do aeroporto, precisei comprar umas lâmpadas, fita isolante e interruptores elétricos. Tirei as faixas douradas, o quepe, a gravata e o paletó e fui a pé até numa casa de materiais de construções. Escolhidos os produtos, ao me dirigir ao caixa eu soube da novidade: o vendedor me perguntou qual era o prédio em que eu trabalhava, pois porteiros e zeladores ganham um desconto especial sobre o valor da venda!
No dia a dia de um tripulante estamos constantemente agindo conforme os diversos regulamentos e normas que regem a aviação comercial. No entanto, algumas normas são, ou pelo menos, eram extremamente anacrônicas, por isso, desde que não afete a segurança do voo, e justamente para não causar maiores transtornos e atrasos à viagem, pode acontecer do comandante “fechar os olhos” para certas regras.
Um exemplo desta situação ocorria em decorrência de uma norma em que não permitia que o passageiro viajasse com chinelo de dedo ou camiseta tipo “regata”. Até pouco tempo atrás alguns poucos comandantes levavam muito a sério esta determinação e não raro impediam o embarque de passageiros nesta condição. Uma tremenda falta de sensibilidade, especialmente porque geralmente isso ocorria com passageiros menos favorecidos, embarcando em localidades com Cruzeiro do Sul, Marabá ou Tabatinga. Ainda bem que é uma norma antiga que não vigora mais,  pois como desembarcar tanta gente de bem, e até passageiros famosos que viajam de sandálias Havaianas? Além do mais, hoje em dia qualquer um pode voar!
Certa vez, ao pousar no Santos Dumont, fui procurado pelo pessoal do despacho de passageiros que precisava da minha ajuda para solucionar um problema. Havia um passageiro que tinha sido impedido, pelo comandante da Ponte Aérea anterior, de embarcar para São Paulo. O passageiro era um cantor baiano que fez sucesso nos anos 80 com músicas do estilo “axé-reggae-pop” e que, não sei por qual motivo, estava descalço! A despachante disse que ele tinha desembarcado no Galeão e que sua mala havia sido extraviada e que ele já estava há horas no saguão tentando embarcar. Ainda assim eu não conseguia compreender o porquê dele estar descalço, mas como ele estava se tornando um problema para a empresa e acreditando que devemos solucionar os problemas e não aumenta-los, resolvi autorizar o embarque do cidadão. Ele estava acompanhado e pedi para que ele e o amigo embarcassem antes dos demais passageiros e que fosse reservado a eles o assento junto à janela e o imediatamente ao lado. As comissárias não gostaram da minha decisão, e menos ainda ao medir o passageiro da cabeça aos pés, que por sinal, estavam sujos como se há muito não fosse lavado! Eu disse a ele que ao autorizar o embarque eu estava abrindo uma exceção para resolver o problema. Por isso ele deveria sentar junto à janela, cobrir as pernas e os pés com uma manta e só se levantar para o desembarque após todos os demais passageiros terem desembarcado. E assim foi feito, o problema foi solucionado sem prejuízo aos demais passageiros.
   Ao contar o caso para a minha mulher, ela disse que anos antes, em 1988, este mesmo cantor tinha viajado num voo dela, e que ele ficava descalço no avião, era uma característica dele!    
Em outra ocasião, também na Ponte Aérea, presenciei um flagrante desrespeito às regras e desta vez, ameaçando a segurança. Durante o embarque dos passageiros, numa época em que não havia as pontes de embarque, um cidadão acende tranquilamente um cigarro enquanto aguarda na fila para subir a escada do avião. Uma tremenda falta de respeito e de bom senso, afinal, um cigarro aceso no pátio é um risco a segurança, pois há diversas aeronaves sendo abastecidas e possíveis vapores de combustível no ar. Imediatamente abri a janela da cabine de comando e gesticulei para que ele apagasse o cigarro! Ele deu uma longa tragada, jogou o cigarro no chão e pisou para então apaga-lo.
Fiquei bravo com o passageiro que continuava na fila para embarcar. O copiloto aproveitou para dizer que achava que eu deveria impedir o embarque do passageiro, pois se ele estava fumando no pátio, era bem capaz de acender um cigarro durante o voo. Bem que ele merecia, porém, para impedir o embarque dele, eu teria que chamar o pessoal do despacho, teria que confrontar o passageiro e possivelmente chamar a Polícia Federal. Isso evidentemente causaria atraso no voo, transtorno aos demais passageiros, e um stress desnecessário. É verdade que o tal passageiro desrespeitou uma norma de segurança, mas foi fora do avião, fora da área de minha responsabilidade, e não poderia recusa-lo baseado no pressuposto que ele iria acender um cigarro durante a viagem. Como eu acredito que não devemos causar mais problemas, e sim, resolve-los, apenas aguardei o passageiro na porta do avião e passei uma leve descompostura nele. Decolar emocionalmente estressado é péssimo, e mesmo um caso simples como este fez com que durante o taxi eu ainda estivesse um pouco estressado, imagine se eu  tivesse sido rigoroso e impedido o embarque do cidadão?
O voo trancorreu normalmente, sendo que no desembarque o passageiro reiterou o pedido de desculpas alegando que estava desatento no momento que acendeu o cigarro. 

                                                                                        

terça-feira, 16 de agosto de 2011

A Estrela Brasileira

  Estive no lançamento do livro Estrela Brasileira, editora KindleBookBr, escrito pela Cláudia Vasconcelos, ex-comissária da Varig. Já conhecia um pouco das estórias dela através do Blog que ela mantém e agora tive o prazer de ler o livro, que embora já estivesse a um tempo no formato eletrônico (e-book), só recentemente foi lançado em papel.

O livro é ótimo! Minha mulher foi a primeira a tomar conta e leu em um fim de semana, em seguida eu li em três ou quatro dias. A Cláudia entrou na Varig em 1972 e com isso voou o Boeing 707 quando este era o maior avião da Varig, acompanhou a chegada do DC-10, bem como dos Jumbos. Esteve no baseamento em Hong Kong e em Los Angeles. São muitas estórias: de cidades, de passageiros, de acidentes, do serviço de bordo e de uma aviação que não volta mais. Ela fala da vida dela e da estória da Varig até o seu encerramento. 

Um excelente livro que com certeza vai agradar aqueles que gostam da aviação, aqueles que já foram passageiros da Varig e principalmente os que trabalharam na "velha" Varig. Ele pode ser adquirido na Livraria Cultura ou ainda através de pedido pela internet. No Blog dela ( http://aestrelabrasileira.blogspot.com/ ) há os links para pedidos. Parabéns Cláudia!

Agora estou lendo o Perda Total, editora Objetiva, do escritor Ivan Sant`Anna. O Ivan Sant`Anna é um apaixonado pela aviação e já havia escrito o livro Caixa Preta em que contava e estória de outros três acidentes com aeronaves comerciais brasileiras, além de um livro sobre os atentados de 11 de setembro. No Perda Total ele conta sobre os dois acidentes com aviões da Tam (Fokker 100 que caiu no Jabaquara e Airbus que caiu na Av. Washington Luiz) e o Boeing da Gol que foi derrubado pelo jato Legacy.

As estórias dos acidentes não são novidade, já que são recentes, mas o que torna a leitura interessante é que o escritor conta um pouco da vida de alguns personagens envolvidos nestas tragédias. Apesar de serem estórias cujo final já sabemos, vale à pena ler.



domingo, 7 de agosto de 2011

Hóspede ou tripulante?


As empresas aéreas, ao fecharem contrato de hospedagem dos tripulantes com os hotéis, incluem o serviço de lavanderia para uma peça de roupa por tripulante. Isto é ótimo, para não dizer essencial, principalmente para aquelas programações de cinco dias voando pelo Brasil. Assim, sair para voar com apenas uma camisa de voo é suficiente, embora os mais previdentes sempre carreguem uma extra na mala. Essa precaução é bem vinda, especialmente nos casos dos comissários(as) cujos uniformes estão mais expostos a “acidentes”  durante o trabalho.

Ao entrar no apartamento uma das primeiras providências é preencher o “rol de lavanderia” e deixar a camisa (vestido, calça, ou qualquer outra peça do uniforme) do lado de fora do apartamento. Confusões e enganos ocorrem de vez em quando e pode acontecer de, ao se arrumar para um voo, descobrir que a camisa que o serviço de lavanderia devolveu não é a sua! Um número maior ou menor, ou ainda da mesma numeração, mas que não era a sua. Nestes casos, é um “tal” de tentar localizar o outro tripulante que também recebeu uma camisa errada por engano. Outra coisa chata que acontece é que muitas vezes estamos no melhor do sono quando somos acordados para receber a tal camisa de voo.

Na época da velha Varig tínhamos direito a dois refrigerantes ou garrafinhas de água por diária, hoje em dia é só uma garrafinha de água e ponto final!  Alguns hotéis dão um “vale drink”, que vale mais pela capacidade de agregar os tripulantes que pela bebida em si. Em Recife, nos “velhos tempos”, era uma delícia encontrar os colegas que se reuniam para tomar uma caipirinha antes de saírem para jantar. 

Um dos hotéis que sempre se esmerou no atendimento é a rede Meliá. Em Madri era quase obrigatório tomar uma taça de vinho ou de cerveja no lobby do hotel antes de sair para passear pela cidade. Em Londres os comandantes podiam desfrutar de um buffet que funcionava o dia inteiro e servia bebidas, canapés variados, salmão, queijos e outros petiscos. Havia colegas que passavam dias em Londres só se alimentando neste buffet, e assim não gastavam um tostão com comida. Em Caracas os pilotos ficam em apartamentos “superiores” onde encontram, a título de boas vindas, um balde com duas garrafinhas de cerveja no gelo e uma bandeja com torradas, queijos, presunto de Parma e salmão. Uma delícia.

Uma das coisas que os tripulantes mais prezam nos hotéis é o café da manhã. Come-se muito, até porque, geralmente depois do café da manhã o tripulante quer fazer apenas uma refeição por dia, ou o almoço ou o jantar. É o famoso “almojantar”. Por isso, quanto mais tarde o café da manhã for encerrado, melhor será. Comemos muito mais que pães, frutas, e cereais nos hotéis. Comemos nos hotéis o que jamais comeríamos em nossas próprias casas: ovos mexidos, omeletes, tapiocas, queijos na chapa, carne seca, salmão, salsichas, linguiças, bacon e até arroz com feijão eu já andei comendo por aí!  


Na época em que eu voava  Airbus , o café da manhã do hotel em Fortaleza era uma verdadeira festa; eram várias tripulações que se reuniam diariamente no restaurante do hotel. Outro café da manhã que era concorrido, era o oferecido pelo Hotel Tropical em Manaus. Diariamente, dezenas de tripulantes esticavam o bate papo até não dar mais. Em Manaus, nos meses em que há horário de verão no Brasil, o café da manhã vai até o meio dia, horário de Brasília, o que é uma mão na roda para aqueles tripulantes que chegam de voo muito tarde. Antigamente alguns hotéis ofereciam, sem custo adicional para o tripulante, o café da manhã servido no apartamento até as onze da manhã para os que chegassem na madrugada, assim  podíamos dormir até um pouco mais tarde. 

Outro café da manhã antológico era no Hotel Nacional em Brasília. O salão ficava repleto de políticos, os garçons eram da época da inauguração da cidade, assim como eram os talheres  de prata, os bules e açucareiros. E os pães de queijo estavam sempre quentinhos.

Nos voos com pernoite nos EUA e Europa, em função da diferença de fuso horário, nem sempre o café da manhã estava incluso na diária. Nestes casos recebíamos uma quantia em dinheiro para nos alimentarmos pela manhã. Em Miami, comer torradas com ovos fritos no “Cubano” era o costume entre os tripulantes e em Frankfurt, comer um Bratwurst (cachorro quente) com muita mostarda era fantástico. 

De um modo geral, os tripulantes são bem tratados nos hotéis em que são hospedados. Há desconto nos restaurantes, internet sem custo e outras regalias. Mas há também ocasiões em que parece que somos tratados como um hóspede de segunda classe.  Talvez por estar a serviço o tripulante se comporta como um turista acidental e por isso raramente deixa gorjeta para os funcionários.

É comum o pessoal do hotel perguntar se somos hóspedes ou tripulantes! Ora, tripulante não é um hóspede?  Um colega nosso, ao ouvir esta pergunta, a respondeu com outra pergunta:  Por acaso o hotel voa?- Como assim? perguntou o funcionário da recepção. Ora – explicou o colega –  se hotel voa, então eu sou um tripulante, mas se hotel não voa, neste caso eu sou um hóspede!



quarta-feira, 3 de agosto de 2011

???



Olha só o comentário que o meu amigo Moraes enviou à respeito da postagem "Trânsito legal":


Grande Carvalhinho, 

Muito embora esse seja um blog "família", ao mencionar trânsito legal não podemos nos esquecer daquele vôo do Breguinha que chegava em Campo Grande depois da meia-noite e decolava por volta das 5 da manhã.

Muita gente aproveitava esse tempo para dormir dentro do avião, mas alguns mais descontraídos passavam a noite na Boite Enigma, cujo dono era amigo do Gordo, o mecânico da base.

Trocava-se apenas a camisa e íamos para lá na Kombi da manutenção, ou seja, mesmo sem o uniforme, todas as moças do local sabiam que éramos tripulantes.

Embora não pudéssemos beber, passávamos umas horas bastante divertidas naquele lugar e, por vêzes, tinhamos a sorte de assistir a um "show do iogurte", sendo que soube de gente que não se contentou em ser apenas um mero espectador...

Vou parando por aqui porque a continuação dessa estória é assunto para outro tipo de blog.

Um grande abraço,

Moraes


Que situação, Moraes! Agora eu tenho que explicar para a minha mulher que eu nunca ouvi falar desta estória (eu juro!), e que aliás, eu nunca fiz este voo. Pelo visto era um "voo do cabide". O mecânico da base que eu me lembro é o Beltrão, que inclusive, continua por lá. Como o Moraes era baseado no Rio de Janeiro, só posso concluir que este pernoite era privilégio dos cariocas. 


Mas gostei da estória e fico imaginando o que deveria ser este "show do iogurte"! Ao encontrar os colegas "das antigas" e em especial aqueles que eram Base Rio, vou perguntar a eles sobre este voo do cabide com escapada para a Boite Enigma.






quarta-feira, 20 de julho de 2011

Um trânsito legal

Nas programações de voo, entre um pouso e uma decolagem, o tempo em solo pode variar muito. Este tempo em solo, que chamamos de “trânsito”, quando um voo está atrasado pode ser de apenas 15 minutos ou até menos. Dependendo do número de passageiros desembarcando e embarcando, da agilidade do pessoal de limpeza, abastecimento, carregamento e de outras tarefas, este tempo pode ser ainda menor. Todo cuidado é pouco, já que como diz o ditado, a pressa é inimiga da perfeição.

Nem sempre o tempo em solo é de correria.  Há ocasiões em que ficamos uma, duas e até três horas no avião aguardando o horário da próxima decolagem, o que não é legal, pois dá uma “quebrada” no ritmo. Tempo parado é bom em casa, na praia, na piscina ou mesmo descansando no hotel.  Já que ficamos parados, o ideal é aproveitar este tempo para fazer alguma coisa.

No MD-11 havia dois voos bate-volta, Paris-Amsterdam-Paris e Londres-Kopenhagen-Londres, em que ficávamos mais de duas horas aguardando o horário do voo da volta. Uns aproveitavam para se acomodar na primeira classe e descansar, outros assistiam a um filme ou davam uma passeada no aeroporto com direito a compras no freeshop. Ler, estudar ou conversar é outra maneira de fazer o tempo passar e bacana mesmo é quando conseguimos aproveitar este tempo saindo dos limites do aeroporto.

Certa vez, após pousar no Santos Dumont por volta da sete da noite de um sábado, ficaríamos duas horas e meia parados até o horário da decolagem para São Paulo. Ficar no avião ou passear pelo aeroporto, eis a questão! Nem um nem outro, a oportunidade pedia algo diferente. Convidei toda a tripulação, mas só o copiloto (sempre ele, o fiel companheiro do comandante!) topou sair para jantar um galeto na brasa em Copacabana!  Colocamos nossas gravatas e divisas na mala deixando-a no D.O., avisamos o pessoal da escala de voos e pegamos um taxi. Em 10 minutos o copiloto Leuckert e eu estávamos sentados numa das melhores galeterias de Copacabana! Galetinho, arroz à grega e para beber....coca cola. Terminada a refeição, caminhamos pelo calçadão até o Leme de onde pegamos o ônibus dos tripulantes de volta ao Santos Dumont. Embarcamos no avião faltando ainda quarenta minutos para a decolagem, foi ótimo.   

Recentemente consegui mais uma vez aproveitar ao máximo o tempo parado no aeroporto, e desta vez foi um “sightseeing” pela cidade.  Decolando de Caracas para Aruba, com pouso previsto para as quatro e meia da tarde, teríamos um transito de três horas antes de decolar de volta para Caracas. Mais uma vez, somente o copiloto topou o programa, e assim já saímos do hotel vestindo sunga por baixo da calça, pois o plano era dar um mergulho no Mar de Caribe.

O voo atrasou e o nosso tempo foi reduzido para duas horas e meia, ainda suficiente para conhecer a ilha. O copiloto e eu, carregando uma sacolinha de plástico, desembarcamos após o último passageiro, passamos pela imigração e procuramos um taxi para negociar nosso passeio. Fechamos por U$ 50,00 um tour de pouco mais uma hora, e saímos a bordo de um carrão dirigido por uma taxista simpaticíssima.

Assim que o taxi começou a andar pedimos licença para a motorista e tratamos de nos livrar do paletó, gravata e camisa de voo para vestirmos uma camiseta. Passeamos pela a avenida principal com os grandes hotéis, conhecemos a marina e fizemos uma parada na praia para conhecer as famosas árvores divi-divi, que são árvores típicas da região e que nascem na areia da praia. Já descemos do taxi sem sapatos e de com a barra da calça dobrada para podermos molhar os pés. O sol acabara de se pôr, não tínhamos muito tempo disponível, não tínhamos trazido toalha de banho, assim, não foi possível dar um mergulho.  Seguimos nosso passeio observando as casas de veraneio próximas ao mar até que chegamos ao alto da ilha onde fica o farol, California Lighthouse.  Após apreciarmos a vista e ouvirmos as estórias da nossa guia/motorista, iniciamos nosso caminho de volta ao aeroporto.

Sempre de olho no relógio, percebemos que ainda havia tempo para mais uma parada, que poderia ser para comer algo ou comprar alguma lembrancinha de Aruba. Optamos por uma rápida compra, e enquanto o taxi nos aguardava, caminhamos pela área das lojas onde encontramos “souvenirs” para filhos e esposas. No caminho de volta ao aeroporto batemos a areia do pé, calçamos sapato, vestimos a camisa de voo, gravata e paletó e demos uma ajeitada no cabelo. Passamos pela imigração e uma hora antes do horário da decolagem estávamos na cabine iniciando os preparativos para regressar a Caracas.

Foi o tempo de solo mais bem aproveitado dos últimos tempos, pena que faltou o mergulho!   

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Notam

Notam, notificação ao aeronavegante, ou ainda, “notice to airmen”, são informações relevantes aos pilotos e operadores de aeronaves que são divulgadas periodicamente. Elas dizem respeito à inoperância de frequências de rádio ou auxílio à navegação aérea, interdição de pistas, áreas cujo sobrevoo estará proibido, obra em pátios de aeroportos, enfim, informações que o piloto deve declarar ciência antes de sair para um voo. Estas notificações são elaboradas e divulgadas pelos órgãos de controle de tráfego aéreo.

Pois bem, esta estória começa com um NOTAM, que infelizmente, não foi seguido pela administradora do aeroporto.

O voo, cujo horário de saída foi ajustado para se adequar a um Notam, era de Guarulhos para Fortaleza.  O Notam dizia que a pista de Fortaleza estaria interditada das 07h15min às 09h15min por conta de obras na pista e como saímos um pouco atrasados, nosso estimado de pouso era para as 09h35min, portanto estávamos “tranquilos”.   Acontece que chegando em Fortaleza recebemos a informação de que a pista só seria liberada pela administradora do aeroporto as 09h35min, portanto, 20 minutos após o horário informado no Notam. Já havia três aeronaves em espera e com isso seríamos o número 4 na sequência para pouso.

Havia nuvens de chuva sobre a cidade que avançavam para a área do aeroporto. Ao ser liberada a pista, as três primeiras aeronaves na sequência conseguiram o pouso, sendo que a terceira delas, sabe-se lá em que condições, já que a chuva se intensificava a cada minuto.  Na nossa vez, estabilizados na aproximação final do procedimento de pouso, tivemos que descontinuar a descida, pois a chuva era intensa, sem condições de avistar a pista. Há ocasiões em que você está bem próximo da pista, e ao avistá-la, percebe que as condições (chuva forte, vento intenso de través etc.) não permitem um pouso seguro, mas, naquele dia, sequer avistamos a pista, a chuva era muito forte. Durante a arremetida ouvimos na frequência de rádio que havia uma aeronave (um “jatinho” particular) em emergência prosseguindo para o pouso. Este avião estava com princípio de fogo na cabine de comando! Que situação: após efetuar espera, ter que pousar sob chuva forte e com princípio de fogo na cabine não deve ser nada agradável. Deu certo para aquele avião, e nós seguimos gerenciando nosso voo.

Nossa alternativa inicial era Recife ou Natal, porém a espera que havíamos feito sobre Fortaleza comprometeu nossa reserva de combustível, além do quê, aquela parte do nordeste brasileiro também estava com muitas áreas de instabilidade e, portanto, sujeita a chuvas e trovoadas. Outras aeronaves ainda estavam em espera, já que após o pouso da aeronave em emergência, o aeroporto foi novamente interditado para que a administradora efetuasse uma vistoria na pista. Na cabine de comando a carga de trabalho estava elevada e uma decisão tinha que ser tomada: aguardar a melhoria e normalização de Fortaleza ou prosseguir de imediato para a alternativa? Na cabine de passageiros o clima não era bom, sendo que os comissários passavam informações básicas aos passageiros até que o comandante pudesse dar informações mais precisas. Diante do cenário, seguimos para Teresina onde o tempo era bom e estável, e foi somente ao iniciar a subida para o nível de cruzeiro que eu tive tempo de fazer um anúncio aos passageiros comentando sobre a nossa arremetida e que estávamos seguindo para o aeroporto de alternativa.

Na aviação, há muito tempo ouço que quando o comandante toma uma decisão, especialmente quando diz respeito a seguir para determinada alternativa, ele deve ser firme e seguir adiante. Eu concordo, mas também acredito que ele deve saber reavaliar suas decisões e ter coragem, e humildade, para voltar atrás e seguir em outra direção.

Foi o que aconteceu, pois no caminho para Teresina, ainda durante a subida, houve a melhora das condições de Fortaleza. Diminuímos a velocidade e, sempre de olho na quantidade de combustível nos tanques, fomos atrás de informações mais precisas. Efetuamos contato com a torre de controle de Fortaleza que nos informou que a chuva havia, de fato, diminuído de intensidade e que as nuvens aparentemente se afastavam cada vez mais da área do aeroporto. Já o controle de aproximação nos informou que a pista ainda estava interditada, mas que já estava prestes a ser liberada pra as aproximações, e que caso regressássemos seria previsto uma aproximação direta, sem qualquer espera. De posse destas informações, conversando e buscando a opinião sincera do copiloto, decidimos regressar a Fortaleza.

Mais uma vez deixei os comissários e passageiros a par da situação. E não demorou muito para que a Chefe de Equipe dos comissários me informasse que após o pouso seria necessário o pessoal da “limpeza pesada”, pois vários passageiros tinham passado mal.

Após mais um pouco de turbulência e debaixo de chuva leve, pousamos com segurança. Principalmente nestas situações, a caminho do estacionamento da aeronave, faço um último anúncio aos passageiros onde explico tudo que aconteceu. Disse que certamente não foi um voo agradável, mas procuramos manter a segurança sempre em primeiro lugar.

No desembarque, quando fico na porta me despedindo dos passageiros, um senhor me perguntou como ficaria a nossa situação se novamente a chuva aumentasse ou outra ocorrência interditasse a pista de Fortaleza. Este senhor seguiu em frente, talvez não quisesse saber a resposta. Bem, sempre temos que ter um “plano B”, e no caso seria ficar aguardando a normalização das condições de Fortaleza. Se uma segunda arremetida tivesse sido realizada (nestes anos todos de aviação comercial, nunca tive que arremeter duas vezes num mesmo voo), ainda tínhamos combustível para 50 minutos de voo, tempo insuficiente para alcançar outro aeroporto, mas suficiente para, de alguma maneira, a situação normalizar em Fortaleza. Além disso, se for para considerar o imponderável, naquela situação eu deveria considerar que o imponderável poderia acontecer também em Teresina, aonde chegaríamos com menos combustível nos tanques.

Após trinta minutos de “trânsito” em Fortaleza, seguimos de volta à Guarulhos, desta vez num voo bastante tranquilo, sem surpresas.