sexta-feira, 4 de maio de 2012

Ice pellets

Foi mais uma daquelas noites de muita chuva e ventos fortes na região sudeste do país. O choque de uma frente fria com uma massa de ar quente causou bastante dificuldade para os aviões que chegavam em São Paulo naquele final de abril.

Meu voo, de Brasília para Viracopos/Campinas, decolou às sete e quinze da noite conforme o previsto e ao atingir o nível de cruzeiro visualizamos diversas nuvens pesadas à frente.  Um desvio para lá, outro para cá e deixamos Uberaba para trás. Entrando no estado de São Paulo, ainda desviando das nuvens pesadas, iniciamos a descida cientes das condições meteorológicas de Congonhas, Guarulhos e Viracopos. Guarulhos, que estivera fechado para pousos e decolagens por aproximadamente 25 minutos, estava aberto e o controle de tráfego aéreo retomava o sequenciamento das aeronaves que até então estavam em espera. Neste momento Congonhas teve suas operações suspensas por estar debaixo de chuva forte e os aviões que para lá se destinavam iniciavam espera. Viracopos estava aberto, porém com chuva leve sobre a pista.

Nestas horas o controlador de tráfego aéreo tem que ser bom! Os pilotos que estão em voos de espera ficam pressionando por estimativas de melhora e abertura dos aeroportos; até parece que não sabem que o controlador, que está dentro de uma sala fechada, não tem como prever quanto tempo vai levar para a chuva passar. Quem determina se o campo está aberto para pousos é a torre de controle, que no caso de Congonhas, ainda depende da administradora do aeroporto para fazer uma vistoria na pista antes de liberá-la. Os pilotos, de olho na quantidade de combustível a bordo, analisam suas alternativas primárias e secundárias já que nem sempre podem seguir para determinado aeroporto devido à lotação de pátios para estacionamento e outras dificuldades inerentes à infraestrutura aeroportuária brasileira.

Próximos a Viracopos, vendo nitidamente pela tela do radar meteorológico que a cidade de campinas estava debaixo de um CB (nuvens de chuva forte), fomos orientados a voar em círculos, pois nosso destino estava fechado para pousos. Com bastante combustível de reserva e para não congestionar a frequência rádio desnecdesnecessariamente, iniciamos nossa espera informando aos passageiros a nossa situação. O vento era forte e aparentemente estava empurrando para longe do aeroporto as nuvens pesadas. Nosso aeroporto de alternativa era Confins/Belo Horizonte cujo tempo permanecia bom, a frente fria ainda não havia chegado por lá. Além de Confins ainda poderíamos contar com Guarulhos e Galeão, o que nos deixava bastante tranquilos.

Não foi necessário nem quinze minutos de espera e Viracopos abriu, a chuva ainda estava sobre o campo, mas agora com fraca intensidade. Orientados pelo controle de tráfego aéreo, entramos na sequência para pouso recebendo uma informação que para mim foi inédita: havia bastante quantidade de granizo sobre a pista de pouso!   À nossa frente seguiam duas outras aeronaves, o que era bom, pois assim os pilotos ao pousarem poderiam passar alguma informação relevante caso encontrassem alguma dificuldade no pouso, além do mais, dois aviões pousando antes de nós, certamente dissipariam parte do granizo.

Na aproximação final, com chuva nos para-brisas, não demorou para avistarmos a pista, o vento já não era forte e estava praticamente alinhado com a nossa trajetória. Na área de toque dos pneus com a pista quase não havia mais granizo, porém, à medida que a velocidade diminuía, não apenas víamos uma grande quantidade deles sobre a pista, mas também sentíamos o avião rolando sobre pedras de gelo.

Em 30 anos de aviação, esta foi uma situação inédita para mim. Já pousei debaixo de chuva forte, debaixo de neve, ventos laterais, de cauda, com raios e rajadas, mas em uma pista parcialmente coberta de granizos (ice-pellets, ou ainda, hail, em inglês), foi a primeira vez!


8 comentários:

  1. Caramba Comandante... Granizo sobre a pista deve ser crítico. Existe algum procedimento para essa situação além de atenção redobrada? abços

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  2. Nossa granizo, não é uma situação para arremetida e alternar, digo; e seguro pousar nestas condições?

    Abraço comando, bela postagem, eu imagino a ansiedade de livrar a pista com segurança!!!

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  3. Caro Padu e Carlos, não há um procedimento específico para pousar sobre pedras de gelo. naquela ocasião o controle nos perguntou se iríamos aguardar ou prosseguíamos para o pouso. Como à nossa frente havia dois aviões, optamos por prosseguir, pois os aviões à nossa frente seriam os "bois de piranha" que se encontrassem alguma dificuldade de frenagem, ou outra situação anormal, certamente reportariam. Dois aviões decolando e um decolando já foram suficiente para "limpar" a área de toque e início de frenagem. Por outro lado não haveria problema algum em arremeter ou ou aguardar mais um tempo para a dissipação das pedras de gelo. Em tempo, o pouso e a frenagem foram absolutamente normais. Um abraço, Roberto..

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  4. Boa comando
    Bois de piranha kkkk

    Estes dias conversando com meu professor de aviônicos, que trabalha na Trip perguntei como se fazia os teste depois da manutenção, e ele me disse que eles pegam o primeiro piloto que bobear na frente e fazem o voo de teste com ele,
    ele até narrou historias ilarias de falhas durante os voos de teste. principalmente com a ilustre participação de novatos da manutenção...

    Mas uma duvida me ocorreu, como isso funcionava na VARIG e como funciona na GOL, existe um piloto de teste ou se tem a mesma ideia da Trip,

    Caso seja igual, vai um gancho pra mais uma historia.
    Afinal, em teste nem tudo funciona como deveria.

    Grato e até a próxima

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    1. Caro Carlos, não há um piloto de testes nas empresas, porém para efetuar um voo destes, as empresas costumam escalar um comandante que seja instrutor, ou ainda ter alguma outra exigência. E num caso de maior urgência pode até acontecer da empresa escalar o primeiro que bobear pela frente. Infelizmente eu não tive a sorte de efetuar um voo destes, mas vou conversar com alguns colegas e fazer uma postagem a este respeito. Valeu pela dica! Roberto.

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  5. Comandante,mais um post muito bom como sempre,continue contando esses casos do mundo aeronáutico simplesmente fantásticos,o senhor tem muito talento com a escrita também,e o livro?,como anda?,quero garantir meu exemplar!

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    1. Caro Anônimo, o projeto do livro continua, mas eu ando meio relaxado, ocupado, sei lá. Preciso me dedicar a isso, obrigado pelo incentivo.

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  6. Realmente aviação tem umas facetas desafiadoras,que mesmo se tomando todos os cuidados ainda pode restar margem para problemas!!
    Creio que aterrissar em uma pista coberta por granizo deve realmente fazer a adrenalina subir mesmo se sabendo que outros o fizeram antes,é aquela estoria,um vai se da bem,o outro idem,mas vai que a bruxa está com agente e aí..!
    Parabens Comandante pela pericia e tambem por nos trazer mais este lado do mundo da aviação,eu pensava que gelo só incomodava em voo,e sei até de alguns acidentes causados por seu acumulo nas superficies das aeronaves,agora no solo ainda não tinha visto nenhum comentario!!

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